Rui Martinho Rodrigues*
A constante divulgação de escândalos lembra Hannah Arendt,
que discorreu sobre a banalização do mal. Desde o jogo do bicho, em Brasília e
no Rio Grande do Sul, passando pelo mensalão, pela quebra de sigilo bancário de
um caseiro para coagir testemunha, até as listas negras de jornalistas, as
transações com doleiros, ou nomes como Abreu e Lima, Passadena etc., até
amantes poderosas de líderes políticos tornaram-se comuns no noticiário
político, cada vez mais parecido com os noticiários policiais.
Não faltou nem organização criminosa pesada, ligada a crime
vulgar, incluindo tráfico e homicídios, como o PCC (facção criminosa conhecida
como Primeiro Comando da Capital); nem faltou sequer treinamento de testemunha
em CPI, coisa que na prática forense se chama “testemunha industriada”, ou
crime de falso testemunho. Contratos multimilionários no exterior são tratados
como segredo de Estado, ao abrigo da fiscalização da imprensa e dos órgãos
públicos.
Ainda que algum escândalo eventualmente resulte em
condenação, como no caso do mensalão, testemunhamos mesmerizados à
transformação dos protagonistas dos crimes em um misto de mártir e de heróis,
com a solidariedade pública de partidos e líderes nacionais, mais uma vez como
é o caso do mensalão.
Agora o ex-governador Roberto Arruda reaparece como
favorito nas eleições, concorrendo ao governo do Distrito Federal, de onde saiu
por ter sido flagrado recebendo propina. Defende-se ele dizendo que se tivesse
feito o que os adversários fizeram teria sido fuzilado. Outros se defendem
dizendo que sempre foi assim, política é assim mesmo, que os autores das
denúncias têm também os seus pecados, que defender o erário e as instituições
democráticas é “moralismo” ou “udenismo”, etc. Estes são argumentos cínicos.
Testemunhamos alianças entre denunciadores de crimes dos mais reprováveis, ao
lado dos denunciados de ontem, formando alianças igualmente cínicas.
Por que o público se dispõe a votar num Arruda qualquer e
em outros denunciados ou próximos a eles, ou ainda beneficiados por seus
crimes, embora aleguem sempre nada saber? A resposta só pode ser a banalização
do mal. Todos se nivelaram na vala comum do mal. Os hipócritas tiraram a
máscara. O público reage vendendo voto, elegendo indistintamente candidatos em
função de inclinações particularistas.
O cinismo substituiu a hipocrisia, que é “um tributo que o
vício paga à virtude”. O cinismo é o total desprezo pelo pudor público. Há quem
sinta saudades da hipocrisia. Macunaíma ficou ainda mais obsceno.
A banalização do mal também evoca a memória de Aristóteles.
O discípulo de Platão classificou os regimes políticos e as suas respectivas
formas degeneradas. Dizia ele que a aristocracia degradada é oligarquia; a
monarquia corrompida é tirania; a democracia, que ele chamava república, quando
decaída se torna demagogia. Vivemos a demagogia, presente no assistencialismo,
no discurso “politicamente correto”, que estimula mágoas e “coitadismo”, que
atiça conflitos e encoraja particularismo, afastando, sem maiores critérios, a
isonomia, em nome da justiça.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
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