O HOMEM SÓ
Reginaldo Vasconcelos*
O homem viaja sozinho, e a estrada é fêmea. Coleante, viva,
a estrada evolui na paisagem incitando os humores, fazendo revolverem os
fluídos do desejo.
As venus que desfilam pelos shoppings, as sereias seminuas
que enxameiam pelas praias, todas elas não superam o interesse que desperta a
rara mulher que a estrada tem na margem, às vezes caboclinha miserável em suas
chitas pobres, outras vezes prostituta industriada nos róseos e amarelos, visgo
para os olhos cansados dos caminhoneiros.
Mas o homem que viaja por acaso não esperava o encanto
mágico, a hipnose ofídica das fêmeas hermas. Ele mesmo descobre súbito que está
só no automóvel, de uma solidão descortinada, de uma simesmisse sedenta e
latejante, que toma vulto a cada quilômetro de silêncio e lonjuras.
Na ponta da estrada o homem encontra o seu destino, a cidade
estranha, que é sempre de trato cordial, mas hostil em sua intimidade. Os populares
prestimosos, o comércio sorridente, o hotel confortável, mas as mulheres, por
mais ávidas em ensimesmas, não contemplam nem de longe as urgências afetivas do
forasteiro.
Elas interpõem às novas relações todas as formalidades do protocolo, todas as pacientes regras lapidares da sedução, todos os talvezes entrevistos no desafio da conquista, numa maçante releitura.
O viajante solitário, no entanto, não tem tempo, ponderando
entre labaredas. Tem a noite pela frente, sem amizades frescas que lhe tragam
novas anedotas, sem amigos velhos que lhe preencham os sentidos.
Exasperado como quem perdeu a própria sombra, o homem
rende-se enfim ao furor másculos, contra os pudores e princípios, e se lança à
procura do amor profissional, por mais barato seja na essência, por mais
custoso ao bolso. Uma vez exilado de suas posturas costumeiras, vai temeroso
das deformações morais que devem ter as marafonas, já que das mazelas físicas
ele imagina ter defesas. A esta altura da vida o homem descobre, só então, que valioso servido de ancoragem essas criaturas prestam às vezes a quem esteja à deriva no Cosmo.
As mulheres de ninguém são várias nos rostos, nos modos,
nos preços, e aquele solitário encontra a melhor sorte. O prostíbulo verte mel
sobre o seu peito sedento, evocando aquela reflexão madrinha que o Chico
Buarque pôs em música, fazendo cruzarem pela mesma rua a feira e a prostituta –
a santa e o monstro podem vir de qualquer lado.
A cafetina quer saber se a “mercadoria” agrada. “Ontem, um homem importante que veio à festa da cidade gostou de mim”; ela mesma, vaidosa, mercantiliza-se. Diante da mulher coisificada para o mérito sem honra, a besta recua, embora não arrede.
A cafetina quer saber se a “mercadoria” agrada. “Ontem, um homem importante que veio à festa da cidade gostou de mim”; ela mesma, vaidosa, mercantiliza-se. Diante da mulher coisificada para o mérito sem honra, a besta recua, embora não arrede.
O homem experiente vai tentar colar os cacos, para recompor no diálogo aquele ser materno-filial, antes de qualquer afago, que não lhe servem os agrados que degradam. Bela e meiga, como saída da Passargada de Bandeira, ela mal supera vinte anos.
No outro dia o homem sozinho foge de volta pela estrada,
antes que a obra improvisada no amor tópico se transforme em descabido afeto
crônico. Leva consigo uma nova saudade e uma lição: Deus deve prover os
passarinhos e os peixes do oceano.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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