TEMORES E
CONSPIRAÇÕES
Rui Martinho Rodrigues*
Temores verdadeiros ou tática criativa colocam a quebra da ordem
democrática nas atuais reflexões políticas. Conspirações não determinam os
acontecimentos sem contar com um conjunto de fatores que lhes sejam favoráveis.
Planejar, articular e promover acontecimentos, inclusive de modo discreto ou
até secreto e nem sempre lícito, é realidade presente na atividade política. O
nome disso é conspiração.
Mas o conspiracionismo não merece crédito. Exagera o papel dos
acertos secretos com a finalidade de empalmar o poder por meios contrários ao
ordenamento jurídico. Ignora as limitações impostas a tais projetos pela
competição de articulações contrárias e pela multiplicidade de fatores. Muitas
conspirações anulam uma às outras.
Os conspiradores precisariam ser majoritários ou deter o controle,
o mando, ou ter condições de influenciar preponderantemente o grupo sobre o qual
recai a suspeita de tramar em segredo a conquista ou ampliação do poder. Quantas
e quais são as articulações concorrentes? Qual é a relação de forças na
competição intra e intergrupos?
Fatores internacionais devem ser considerados. O mundo atual não
recebe bem os atos de força e as mistificações da legitimidade. A quebra da
ordem democrática precisa de uma camuflagem minimamente convincente de
procedimento legítimo. Reformas constitucionais, consultas populares, apoio de
instituições aparelhadas, como a Suprema Corte e o exército venezuelanos, são
necessários.
A busca de apoios internacionais é um fator indispensável, porém,
improvável. Ainda que o chefe do Poder Executivo de algum governo democrático
importante seja simpático a uma medida de força, o Parlamento e entidades civis
nas sociedades democráticas criariam sérios problemas nas relações comerciais e
diplomáticas com um governo ilegítimo. O temor dos mercados tenderia a afastar
investidores privados.
China, Índia, Arábia Saudita e Rússia não se importam muito com a
preservação da democracia, mas condicionam suas relações diplomáticas aos seus
interesses. A parceria comercial da China é a mais importante, por exemplo,
para o Brasil. A Rússia não é tão relevante, do ponto de vista comercial, para
os nossos interesses. A Arábia Saudita tem agenda própria. A Índia não é um
mercado ou fonte de investimentos importante para nós.
As agremiações políticas têm de tudo em seus quadros. Os herdeiros
da tradição revolucionária vivem o problema da distinção entre revolução e
golpe e têm muito traquejo político para produzir discursos convincentes até
nas situações mais desfavoráveis por contrariarem os fatos. Todos os grupos
sofrem a falta de liderança apta para articular e empolgar parcelas expressivas
da sociedade e dos grupos e entidades ou corporações.
A realização de eleições levando a alternativa de poder; a
condenação em processos penais de personagens públicas importantes; o andamento
continuado de reformas; e os primeiros passos de recuperação da economia
esvaziam o sentimento de desespero, que poderia estimular os defensores de
medidas extremas, dando-lhes alguma credibilidade.
Os temores de golpe são resíduos
e derivações, descritas por Vilfredo Pareto (1848 – 1923), de um passado muito
diverso da realidade atual, ainda que não distante no tempo. O Brasil, hoje, é
um país urbano; passou por uma revolução cultural profunda; povoado por novas
gerações; situado no novo mundo, para o bem ou para o mal, da pós-modernidade
cosmopolita e globalizada. Temores podem ser uma tática para desacreditar ou
intimidar competidores ou os resíduos e derivações de Pareto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário