segunda-feira, 2 de março de 2020

ARTIGO - Temores e Conspirações (RMR)


TEMORES E
CONSPIRAÇÕES
Rui Martinho Rodrigues*



Temores verdadeiros ou tática criativa colocam a quebra da ordem democrática nas atuais reflexões políticas. Conspirações não determinam os acontecimentos sem contar com um conjunto de fatores que lhes sejam favoráveis. Planejar, articular e promover acontecimentos, inclusive de modo discreto ou até secreto e nem sempre lícito, é realidade presente na atividade política. O nome disso é conspiração.

Mas o conspiracionismo não merece crédito. Exagera o papel dos acertos secretos com a finalidade de empalmar o poder por meios contrários ao ordenamento jurídico. Ignora as limitações impostas a tais projetos pela competição de articulações contrárias e pela multiplicidade de fatores. Muitas conspirações anulam uma às outras.

Os conspiradores precisariam ser majoritários ou deter o controle, o mando, ou ter condições de influenciar preponderantemente o grupo sobre o qual recai a suspeita de tramar em segredo a conquista ou ampliação do poder. Quantas e quais são as articulações concorrentes? Qual é a relação de forças na competição intra e intergrupos?

Fatores internacionais devem ser considerados. O mundo atual não recebe bem os atos de força e as mistificações da legitimidade. A quebra da ordem democrática precisa de uma camuflagem minimamente convincente de procedimento legítimo. Reformas constitucionais, consultas populares, apoio de instituições aparelhadas, como a Suprema Corte e o exército venezuelanos, são necessários. 

A busca de apoios internacionais é um fator indispensável, porém, improvável. Ainda que o chefe do Poder Executivo de algum governo democrático importante seja simpático a uma medida de força, o Parlamento e entidades civis nas sociedades democráticas criariam sérios problemas nas relações comerciais e diplomáticas com um governo ilegítimo. O temor dos mercados tenderia a afastar investidores privados.

China, Índia, Arábia Saudita e Rússia não se importam muito com a preservação da democracia, mas condicionam suas relações diplomáticas aos seus interesses. A parceria comercial da China é a mais importante, por exemplo, para o Brasil. A Rússia não é tão relevante, do ponto de vista comercial, para os nossos interesses. A Arábia Saudita tem agenda própria. A Índia não é um mercado ou fonte de investimentos importante para nós.

As agremiações políticas têm de tudo em seus quadros. Os herdeiros da tradição revolucionária vivem o problema da distinção entre revolução e golpe e têm muito traquejo político para produzir discursos convincentes até nas situações mais desfavoráveis por contrariarem os fatos. Todos os grupos sofrem a falta de liderança apta para articular e empolgar parcelas expressivas da sociedade e dos grupos e entidades ou corporações.

A realização de eleições levando a alternativa de poder; a condenação em processos penais de personagens públicas importantes; o andamento continuado de reformas; e os primeiros passos de recuperação da economia esvaziam o sentimento de desespero, que poderia estimular os defensores de medidas extremas, dando-lhes alguma credibilidade. 

Os temores de golpe são resíduos e derivações, descritas por Vilfredo Pareto (1848 – 1923), de um passado muito diverso da realidade atual, ainda que não distante no tempo. O Brasil, hoje, é um país urbano; passou por uma revolução cultural profunda; povoado por novas gerações; situado no novo mundo, para o bem ou para o mal, da pós-modernidade cosmopolita e globalizada. Temores podem ser uma tática para desacreditar ou intimidar competidores ou os resíduos e derivações de Pareto.


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