CRIME E POLÍTICA CRIMINAL
Rui Martinho Rodrigues*

O Direito Penal máximo encontra receptividade junto a gente
simples. Universidades, imprensa, juristas, judiciário não são tão propensos ao
modo draconiano de tratar o crime. Somos um dos raros – senão o único país do
mundo no qual uma condenação até quatro anos de prisão não leva à reclusão,
ensejando formas mais brandas de punição. Temos quatro instâncias recursais
ofertadas à defesa do réu e infinitos recursos. O Judiciário é tolerante com
recursos procrastinatórios.
Temos prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória da
pena, com prazos mais exíguos do que na maioria dos países. Temos visita íntima
aos encarcerados (países mais desenvolvidos não permitem contato direto entre
condenados e visitantes). A primariedade dos condenados é restabelecida cinco
após o cumprimento da condenação. Não temos pena de morte, perpétua, mutiladora
nem infamante. Só temos sanção restritiva de liberdade, pecuniária e restritiva
de direitos. A execução da sanção não pode passar de trinta anos. Temos
progressão do regime de execução submetida a critérios mais benevolentes do que
no Direito britânico, japonês e de tantos outros países desenvolvidos. Nada
disso é Direito Penal draconiano.
Leis incriminadoras, encarceradoras, majorando penas têm se
multiplicado. A gravidade da sanção não é importante para a dissuasão do crime.
A certeza da aplicação da pena é que tem esse efeito, bem o disse Edmar Santos.
Temos, porém, uma parcela ínfima de crimes esclarecidos e punidos. Logo, temos
impunidade, não temos “prisão em massa”. Não se prendem todos os suspeitos,
acusados ou condenados, nem sequer a maioria deles. Há milhares de mandados de
prisão em aberto. Inúmeros criminosos contumazes convivem livremente com a
população.
Temos uma grande e crescente população carcerária e, por força de
velhos conceitos hegemônicos que precisam ser repensados, como bem o disse
Edmar Santos, não olhamos para a profunda e abrupta revolução dos costumes. A
perda de referências partilhadas, a banalização dos mores, o desprestígio dos
agentes tradicionais de controle social, como pais, professores, clérigos e os
mais velhos em geral deixou o Estado como o único agente de controle das
condutas antissociais. Logo, não é surpresa que haja aumento da população
carcerária. Mais condutas antissociais levam ao crescimento do número de presos
ou à impunidade. Temos as duas coisas. Uma parcela da opinião pública, dos policiais,
do Ministério Público e da magistratura tende para o punitivismo em razão da elevada
criminalidade.
As condições de vida nas penitenciárias são calamitosas. Melhorar a
situação dos apenados é uma reivindicação justa, mas exige recursos. De onde
tirá-los? Da educação, segurança pública, serviços de saúde ou infraestrutura
logística? A boa gestão dos presídios poderá melhorar a situação.
Aperfeiçoamentos na lei de execução penal poderiam contribuir para impedir que
as penitenciárias sejam centros de administração do crime.
A condição social dos apenados é posta, no primoroso artigo de
Edmar Santos, como própria dos excluídos, usando a categoria classe social e econômica
como unidade de análise. Acertadamente, porém, propõe que remodelemos antigos
conceitos. A categoria de análise “classe” é uma das antigas concepções
hegemônicas que precisam ser repensadas, conforme sugere Edmar Santos.

Os integrantes de classes distintas seriam diferentes no essencial.
Não importa que o índice de suicídios, orientação sexual, filiação
confessional, dissolução conjugal, uso de drogas lícitas e ilícitas seja comum a
ambas as classes. As condições materiais determinam, sim, diferenças do que
depende da capacidade aquisitiva. “Oprimidos” e “opressores” usam drogas
lícitas e ilícitas.
Uns consomem drogas de menor preço, outros as mais caras. Ambos têm
a mesma diversidade de orientação sexual, mas satisfazem-nas em lugares
diferenciados pelo preço; praticam crimes, mas a espécie de delitos varia
conforme a oportunidade oferecida pela posição social. Grandes empresários e
políticos (opressores) fazem fraude em licitação. “Oprimidos” assaltam a mão
armada, ops, nem todos, em ambos os grupos. Esta é uma teoria de estratificação
social baseada na origem da renda (capital ou trabalho) e é reducionista, como
demonstrado.

Edmar Santos tem razão quando diz que precisamos repensar os velhos
conceitos hegemônicos. Acrescentemos: a começar pela estratificação baseada na
origem da renda, embora quem assim procede possa tornar-se estigmatizado,
receba rótulos pejorativos, perca a condição de membro da inteligentsia e o status
de superioridade moral de quem diz “espelho meu, espelho meu, quem é mais
generoso do eu, que defendo os oprimidos?”.
Não importa que o “sistema explorador”, desde que foi introduzido no
mundo, seguindo a esteira da modernidade, tenha aumentado os anos de
escolaridade, os anos de vida, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, criado
sistemas de assistência social, expulsado o escravismo para o crime, dado
proteção às minorias e melhorado todos os indicadores de qualidade de vida.
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