segunda-feira, 13 de junho de 2016

ARTIGO - Limites da Persecução Penal (RMR)


LIMITES DA
PERSECUÇÃO PENAL
Rui Martinho Rodrigues*


O Ministério Público Federal (MPF), no cumprimento do dever de fiscal da lei, suporta o ônus da persecução penal enfrentando poderosos encastelados nas mais altas esferas da República. Merece todo o apoio da sociedade.

A equipe de procuradores de Curitiba entrará para a História pela contribuição que tem dado na defesa do interesse da sociedade. A missão empolga. O combate pode despertar animosidade, principalmente se os transgressores agridem os agentes da lei com artifícios diversos. Não se pode, todavia, olvidar os limites da persecução penal.

A nossa Carta Política, a lei infraconstitucional, a doutrina internacional e a jurisprudência dos nossos tribunais são unânimes: a pena não pode passar da pessoa do agente do crime. O garantismo penal, empenhado em proteger os réus e condenados da sanha punitiva da sociedade e do Estado, tantas vezes manifesta na forma de abusos, limita a aplicação da pena aos atos de execução da conduta criminosa.

O Iter criminis compreende três fases: os atos preparatórios, a execução e o mero exaurimento do crime. Planejar e adquirir meios para a ação criminosa não configura crime, salvo se constituírem tipo penal distinto daquele correspondente aos atos de execução. Exemplificando: comprar veneno com o objetivo de matar alguém não é crime, salvo se houver outro tipo, distinto de homicídio, incriminando a compra do veneno.

O exaurimento de delitos também não é crime. Exemplo: um deputado comete peculato, evasão de divisas, sonegação fiscal, fraude em licitações e outros delitos. A esposa dele gasta em futilidades, comprando luxuosos bens de consumo com os recursos ilícitos. Trata-se de exaurimento do crime, classificado como irrelevante penal. É conduta atípica.

Pode-se redarguir que cabia à referida senhora o dever moral, que não tem natureza jurídica, de manter distância do dinheiro adquirido por meios ilícitos. Existe o dever moral, mas penalmente a conduta é irrelevante. Denunciá-la por crime só será possível se – e somente se – a referida senhora houver praticado alguma conduta típica. Comprar artigos de luxo não constitui tal coisa.

A esposa do deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, foi denunciada pelo MPF de Curitiba. Não sei se ela cometeu conduta típica, indo além da simples compra de artigos de luxo. A parte que ouvi da entrevista de um dos Procuradores de Curitiba só tratava da compra de artigos exageradamente caros, no mais luxuoso comércio internacional.

Caso isso esteja sendo imputado como crime, estaremos diante de um grave erro. Caso seja outra a acusação, como tenho esperanças de que seja, não haveria necessidade de tanta ênfase, por tanto tempo, durante a entrevista, nas compras de artigos de luxo. 

A pena não pode passar da pessoa do réu, que no caso é o senhor Eduardo Cunha. Cônjuges não podem ser apenados uns pelos outros. Como visto, o gasto alardeado é mero exaurimento do crime, irrelevante do ponto de vista penal. Não devemos alimentar a exacerbação dos espíritos. Puna-se o agente da ação criminosa, e basta. O que passar disso é política, e má política.


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