LIMITES DO DIREITO PREMIAL
Rui Martinho Rodrigues*
Penas são instrumento de proteção de
certos bens jurídicos. Apenar o furto ou o homicídio visa proteger,
respectivamente, o patrimônio e a vida. Condutas favoráveis aos interesses
sociais, por outro lado, são estimuladas pelo direito premial. É o que acontece
com quem colabora com a Justiça, se a contribuição for válida. Réus podem ser
assim beneficiados, dentro de certos limites. As restrições legais são as
únicas autorizadas a impor obrigações. Subsistem, todavia, considerações de
natureza ética.
O Ministério Público (MP) pode e deve
barganhar com a parte interessada, oferecendo as vantagens permitidas por lei.
Não há barganha sem trunfo. Nada obsta que a prisão legítima seja a moeda de
troca na negociação com réu, quer esteja ele solto ou legitimamente preso. O
que se poderia discutir seria a legitimidade da prisão, para que esta não seja ad hoc. Esta é uma reserva de natureza
ética. Satisfeita esta exigência é legítima a barganha entre o MP e o réu.
A atitude do réu em face dos seus cúmplices,
por sua vez, há de ter limites. Os cúmplices consideram traição a colaboração com a
justiça, daí o uso do vocábulo delação. Traição, para Plácido e Silva,
designa modo pérfido, insidioso, falso, meio enganoso, entre outras coisas. A
colaboração com a Justiça só é pérfida e ignominiosa quando for, desde início,
o desiderato da conduta, de modo que esta não existiria sem a finalidade de
trair. Procurar o parceiro de crimes pretéritos com a finalidade de produzir
provas contra o cúmplice caracteriza aquela traição adjetivada pelo
dicionarista citado como meio pérfido, podemos acrescentar: abjeto.
A quebra da confiança entre os
coautores, quando decorrente de fato superveniente às práticas delituosas,
configura transgressão à solidariedade com o crime relatado, com os coautores
prejudicados, a solidariedade ferida é aquela do tipo mafioso. Temos neste
caso, uma colaboração com a justiça que tanto é legal como é ética, porque a
confiança quebrada é aquela do tipo criminoso e em decorrência de fato
superveniente. Provas assim obtidas, se confirmadas por investigação
complementar, indubitavelmente é prova legal e moralmente válida.
Colaboração resultante de uma conduta
na qual o réu tinha, desde o início, o objetivo de induzir o parceiro a
produzir provas contra ele mesmo, configurando procedimento ad hoc, ao modo do estelionatário,
obtendo resultado mediante conduta enganosa, além do repúdio moral não pode ser
considerada juridicamente legítima, por ter induzido o cúmplice à prática da
autoincriminação e por configurar deslealdade processual.
As consequências políticas, todavia,
são inevitáveis. A sociedade não pode ignorar procedimentos criminosos dos seus
agentes públicos. São consequências legítimas das provas obtidas por meios
ilícitos e imorais o repúdio, em juízo político, aos criminosos assim
desmascarados. Por isso o dito juízo político, é expressão da soberania
popular, que pode e deve condenar com muito mais liberdade do que o processo
jurídico de natureza penal. As casas legislativas e os eleitores podem e devem
fazer o que não deve ser permitido ao Judiciário.
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