ADREDE - DE ADREDE
- ADREDEMENTE
Vianney Mesquita*
Só o influxo da arte comunica
durabilidade à escrita; somente ele marmoriza o papel e transforma a pena em
escopro. (RUI BARBOSA).
Atilado consulente, leitor expedito e
bem aprestado literariamente – destes que qualquer autor aprecia ter como
público e a quem manifestamente agradeço – divisou suposta impropriedade em
passagem de agricultura minha, no texto A
Respeito dos Críticos, expresso a jeito de prolegômenos no livro Arquiteto e Posteriori (Fortaleza:
Imprensa Universitária da UFC, 2014), reproduzido no jornal eclético da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo no dia 25 recém-transato
(fev.2016), já com algumas modificações, mercê da energia da Língua e das
ocorrências históricas.
Ali, registei o fato de que [...] optamos por não escrever a respeito de
trabalhos de má qualidade, nem tomar de assalto os bons escritos,
pespegando-lhes, ADREDEMENTE, defeitos nestes não contidos [...], móvel da
resposta agora oferecida com a mais vera satisfação àqueles que ostentam a dúvida
acerca de uma pretensa impropriedade ou até guardam a certeza de sua
ocorrência, a qual, com esta réplica cidadã, certamente logro desmontar.
Os advérbios e expressões modais que
nomeiam este artigo são aplicados (corretamente) com o mesmo sentido, no Brasil
quanto em Portugal, ao curso de muito tempo. Assim me refiro esteado nos
estudos procedidos nos anos 1960, quando estudante secundarista, à lucerna cintilante
do Mestre Hélio de Sousa Melo (parente
perto do meu estimado guru, Dr. Reginaldo Vasconcelos), de quem ouvi a dicção adredemente pela primeira vez, pois, com
outro dos cinco sentidos humanos – a visão – a depreendera já da leitura de Lições Práticas de Gramática Portuguesa, de
Gaspar de Freitas, e/ou de Aída Costa, salvo escorrego de lembrança, Português – Segunda Série Ginasial.
De lá para cá, uma vez por outra,
emprego o advérbio completado com mente,
ao modo como procedeu esse que ora me vai certificar, João
Clímaco Bezerra (a quem à frente tornarei a referir), lavrense, como Dimas
Macedo e tantos outros expoentes do conhecimento humanístico de ordem vária, um
intelectual de acendrada cultura material e imaterial, escritor de muitas obras
apreciadas no País, engrandecido pelos aplausos, sem contabilizar outros, do
mestre de Osterreich naturalizado brasileiro, Otto Maria Carpeaux, e do
alagoano Graciliano Ramos de Oliveira.
Louvo-me, neste passo, nos depósitos
do memorando professor doutor José Alves
Fernandes (Aracoiaba, 21.10.1930 – Fortaleza, 17.05.2012), nosso colega
aqui na ACLJ, mestre de inconfinados recursos professorais, lexicólogo e enciclopedista
de Português, internacionalmente respeitado pela propriedade de seus
escrutínios, de quem armazeno a honra de haver sido secretário, quando de sua
passagem pela Presidência da Academia Cearense da Língua Portuguesa.
Fernandes, em seu Dicionário de Formas e Construções Opcionais da Língua Portuguesa
(UFC-INEP, 2000), reporta-se à unidade de ideia adrede (tanto ê como é), a qual é a única reconhecida pelo mencionado
leitor que intenta submeter a xeque a forma do advérbio adredemente, a que recorri por o entender consentâneo. Ao demonstrar as opções de referência
oferecidas pelo exuberante recheio glossológico português, na página 36 do seu Dicionário, esse Acadêmico traz à
colação um passadiço de Abdias, do
alteroso Cyro Versiani dos Anjos (Montes Claros, 05.10.1906 – Rio de Janeiro, 04.08.1994),
no qual o autor de A Menina do Sobrado
assim expressa: “O Colégio das ursulinas
é um estabelecimento de luxo, fundado ADREDE (imprimi realce) para receber
moças da alta burguesia.” (FERNANDES, apud ANJOS, Abdias, 4. ed., p.2).
Poderia até me haver eximido de
aportar exemplo desde emprego, significativo da ideia de prédio luxuoso,“fundado
de caso pensado”, “de estudo”, “estudadamente”, porquanto é trivial esse
aproveitamento, comum nas diversas manifestações escritas. Muita vez, então, os
leitores desconfirmam e censuram, desarrazoadamente, o escriba que aplica
outras formas de tornear (como é o caso desse advérbio do qual me vali no Arquiteto a posteriori), conforme estão nas
versões adiante expressas, exatamente pelo fato de as desconhecerem. Ignoti nulla cupido (1), entretanto.
Relativamente à segunda usança – DE ADREDE
– o mais insigne aracoiabense (com certeza) se louva na inteligência do
gramático e escritor naturalista, também alteroso, Júlio César Ribeiro Vaughan
(Sabará, 10.04.1845 – Santos, 01.11.1890), em passagem do romance histórico do
tempo do Brasil-Colônia, intitulado Padre
Belchior de Pontes, no qual esse
literato das Alterosas se exprime desse modo: “Perto já das primeiras casas pararam e, muito DE ADREDE
(impus destaque) para se fazerem notados,
entraram a cochilar”. (FERNANDES, apud
RIBEIRO, Júlio. Op. Cit, 3 ed., p. 270).
No seu Dicionário, aduz José Alves Fernandes, em igual romance, página
303, outra inclusão do DE ADREDE divisada
no Autor de A Carne, cuja
significação é absolutamente a mesma de ADREDE
e ADREDEMENTE, porém, todas denotativas dos recursos ofertados pela
Codificação Lusitana, a fim de o escritor não se fazer exibir como repetitivo e
maçante, circunstância useira em provocar o abandono, por parte do bom leitor,
da obra sob sua apreciação e submetida, então, ao governo de seu juízo. Assim
reproduz Fernandes: “As primeiras casas
do arraial estavam atopetadas de Paulistas: pelas paredes DE ADREDE (incluí
versais) esburacadas surgiam centenares de canos de espingardas”.
Como termo destas notações, retorno,
com vistas a desconstituí-lo, ao pomo da inocente discórdia a respeito da
expressão adverbial adredemente,
questionada pelo meu desempenhado ledor, o qual exprimiu a opinião de que,
sendo adrede já advérbio de modo,
seria sobeja a terminação mente.
Tomo tenência, por primeiro, na
opinião de Francisco Fernandes, mais um tuxaua civilizado na Língua, ao
lecionar a todos o fato de essa craveira adverbial repousar sobre o paradigma
de (por) acinte - acintemente
(FERNANDES, Francisco. Dicionário de
Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa, p. 37), importando também
informar a noção de que, consoante o etnólogo e arquiteto Antônio Geraldo da
Cunha, a palavra adrede, com registo
no século XIV, tem origem controversa.
A asserção do notável filólogo e
lexicógrafo alteroso (também nasceu em Minas Gerais – Arcos, 1905), Francisco
Fernandes, autor do conhecido Dicionário
de Verbos e Regimes, resta corroborada por José Alves Fernandes, ao ter
como fonte de fé o cultíssimo jornalista, advogado e escritor alencarino, natural
de Lavras da Mangabeira, João Clímaco Bezerra (30.03.1913 – RJ, 04.02.2006),
referido linhas atrás. Este, no seu Não
há estrelas no céu (p. 17), utilizou a forma adverbial cunhada sobre o
paradigma de “acintemente”, o mesmo que apliquei no Arquiteto a posteriori, objeto desde comentário e questionado pelo
meu consulente, assim: “Gostava de
arremedá-lo, colocando os óculos de minha tia e o chapéu do papai, ADREDEMENTE (empreguei
saliência) acrescidos dos cordões. (In:
FERNANDES, José Alves. Op. Cit. IDEM, 2000).
Entendo ter sido o suficiente.
(1)Aforismo de Públio Ovídio Nasão,
significativo da ideia de que não se intente aquilo que não se conhece.
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