OS CEARENSES
DO OCO DO MUNDO
COM A CORAGEM E A CARA
(Terceira Parte)
Wilson Ibiapina*
São tantos os cearenses que moram fora do Estado natal que, se resolvessem voltar, não caberiam nas cidades.
Bem que tudo podia ter começado como na lenda. A índia Iracema, “a virgem dos lábios de mel” criada por José de Alencar, morre de parto. O filho dela, Moacir, foi levado para Portugal pelo pai, Soares Moreno. Quer dizer: o primeiro cearense foi embora. A diáspora cearense nunca mais parou.
Dizem que as secas periódicas são responsáveis pela migração. Olha que a primeira seca a marcar a nossa História ocorreu em 1606. O destino dos migrantes era o Sudeste. Preferiam São Paulo, onde a possibilidade de emprego era maior. O Porto do Mucuripe facilitou a saída dos que queriam também a aventura de desvendar os outros países. Hoje temos cearenses espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Vamos continuar na terra do
Tio Sam para falar de Euclides Pinto Martins, mais um que desembarcou por lá.
Filho de Camocim, aos quinze anos entrou na Marinha Mercante e conseguiu chegar
aos Estados Unidos. Na Filadélfia, fez curso de engenharia mecânica, obteve
brevê de piloto, casou-se com uma americana e fez parte do primeiro voo New
York-Rio de Janeiro. Virou herói nacional e nome do aeroporto de Fortaleza. Sua
história é um livro. Pinto Martins decidiu mudar de profissão. Desembarcou no
Rio disposto a explorar petróleo. Suicidou-se no dia 12 de abril de 1924. Monteiro
Lobato conta no livro Escândalo do Petróleo e do Ferro que Pinto Martins foi
vítima dos lobistas que não queriam ver o país se desenvolver.
Francisco Carlos de Araújo
Barbosa é outro cearense apaixonado por avião. O jornalista Rangel Cavalcante,
que é primo dele, conta que Barbosa, ainda menino, ia quase todo dia olhar os
aviões americanos que ficavam na Base Aérea de Fortaleza, durante a Segunda
Guerra Mundial.
Fez amizade com os militares americanos e um coronel pediu autorização ao seu Carlos Barbosa para levar o Barbosinha, seu filho, para os Estados Unidos. O pai adotivo deu-lhe formação militar. Foi piloto da Força Aérea Americana na guerra da Coreia.
Fez amizade com os militares americanos e um coronel pediu autorização ao seu Carlos Barbosa para levar o Barbosinha, seu filho, para os Estados Unidos. O pai adotivo deu-lhe formação militar. Foi piloto da Força Aérea Americana na guerra da Coreia.
Quando deu baixa, trabalhou no
escritório da Companhia Siderúrgica Nacional em Nova Iorque. Depois, montou
escritório naquela cidade, onde ganhava dinheiro e trabalhava como verdadeiro
embaixador do Ceará e do Brasil. Resolvia todo tipo de problema de quem o
procurasse. Morreu pilotando seu próprio avião.
Entre os muitos cearenses que
escolheram os Estados Unidos para viver está Joseph de Souza, morando no
Colorado. Ele mesmo conta que “rapaz pobre, a exemplo de milhões de outros
cearenses, deixou o Ceará em seca para ir à procura das águas da esperança”.
“Tangido pelo forte instinto de sobrevivência, viajei em pau de arara como
muitos outros. Embarquei num velho navio do Loide Brasileiro para o Rio, onde entrei na
Força Aérea Brasileira.”
Enviado aos Estados Unidos para um curso de engenharia aeronáutica, o mundo se abriu a seus pés. Lá, mudou de rumo, ingressou no comércio internacional, casou com uma americana. Ele diz que “no futebol da vida, nem todos podem ser pelés e garrinchas”. “Eu me contento em ficar no meu banco, aplaudindo os jogadores. Vivo agora num calmo pé de serra das Montanhas Rochosas.” Escreve Joseph de Souza: “não dei nome a nenhum aeroporto, mas sinto a satisfação de missão cumprida. Posso, feliz, levar meu avião ao hangar. E agradece a Pinto Martins pela inspiração”.
Enviado aos Estados Unidos para um curso de engenharia aeronáutica, o mundo se abriu a seus pés. Lá, mudou de rumo, ingressou no comércio internacional, casou com uma americana. Ele diz que “no futebol da vida, nem todos podem ser pelés e garrinchas”. “Eu me contento em ficar no meu banco, aplaudindo os jogadores. Vivo agora num calmo pé de serra das Montanhas Rochosas.” Escreve Joseph de Souza: “não dei nome a nenhum aeroporto, mas sinto a satisfação de missão cumprida. Posso, feliz, levar meu avião ao hangar. E agradece a Pinto Martins pela inspiração”.
Nem todos, porém, têm a mesma
sorte. É o caso da modelo cearense Camila Bezerra, 22 anos, que foi morar e
trabalhar na China. Foi encontrada morta na manhã de primeiro de janeiro de
2013. Um mistério que a família, lá do Ceará, tem dificuldades para desvendar.
Está lá na internet o site “Cearense pelo mundo”.
A intenção é que se
identifiquem ali, narrem suas histórias. Ana Cláudia já foi lá e conta que
saiu de Fortaleza em 2002 e foi morar no Texas. No Ceará, era
professora de inglês. O calor de lá faz Sobral e o Piauí virarem Sibéria. Mas
se diz feliz. Como feliz está a cearense Rita Lopes, que mora em Lisboa com o
filho Hamilton. Foi pra lá como chef de cozinha da Embaixada do Brasil em
Portugal. Aposentou-se e hoje trabalha fazendo banquetes para os ricos. Não tem
se queixado. Como também não se queixa o Isaías, cearense de
Amontada.
Ele casou-se com a portuguesa
Luísa e os dois tocam o restaurante Regaço da Rainha, na cidade de Fátima.
Entre seus inúmeros clientes ele cita o ex-embaixador do Brasil em Portugal,
Paes de Andrade, e Zildinha, sua mulher. Sempre que
iam ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima, passavam no
restaurante do Isaías para saborear os pratos da culinária
portuguesa preparados pela Luísa. O jornalista, Macário Batista, é outro que já
encontrei no Regaço da Rainha encarando um borrego assado na brasa (aquele
cordeirinho, com menos de um ano) e degustando um tinto do douro.
O sociólogo pernambucano,
Gilberto Freire, dizia que não se “imaginam mais migrações de cearenses para a
Amazônia como as que se sucederam às secas de 1877, de 1888 e de 1900:
migrações tão fortes que se justifica a generalização de ter sido o braço
cearense que povoou o Amazonas e cearense o movimento de que resultou o Acre”.
O economista, José Márcio dos
Santos, diz que, a partir da década de 1980, o Ceará apresenta um saldo
migratório negativo. São as mudanças na dinâmica econômica cearense. Os
economistas apontam a redução e terceirização do emprego na indústria no
Sudeste, os novos focos de crescimento econômico no Nordeste e os programas de
transferência de renda do governo federal como os principais fatores que estão
prendendo mais o cearense a seu torrão natal. Aquela mão de obra especializada
– médicos, engenheiros, economistas –, que São Paulo recebia sem precisar
investir um só tostão, agora já pode ficar no estado. Tem também o problema de
moradia, de oferta de emprego e violência.
Em 1944, Gilberto Freire, numa
conferência no Teatro José de Alencar, em Fortaleza, intitulada “Precisa-se do
Ceará, perguntava: “Melhoradas as condições de vida e aumentadas as
oportunidades de êxito, no próprio Ceará, continuará o cearense a emigrar e a
difundir seus traços por esses outros estados?” Continuará a haver um cearense
nômade, “cigano”, “judeu”?
Acredito que sim, viajar é da
formação, é a sina dessa gente. Santo Agostinho dizia que o destino coincide
substancialmente com a vontade de Deus. Para o professor mineiro Fausto de
Brito, demógrafo da Universidade de Minas, esse movimento de pessoas faz parte
da dinâmica das sociedades.
E muitas histórias ainda vão
ser contadas como a que Sérgio Porto imortalizou. O cearense em Moscou,
desempregado, passando fome, chega a um Circo no momento em que o domador,
desesperado, procurava uma solução para o espetáculo. Um dos leões acabara de
morrer e o circo estava lotado. Ao ver aquele homem atarracado, cabeça chata,
não pensou duas vezes. Contratou o cearense para se passar pelo leão. Colocou
uma pele do animal, entrou na jaula e foi levado para o picadeiro. O que ele
não sabia é que lá já estava um outro leão. Em pânico, imaginou rapidamente uma
saída para intimidar a fera. Levantou as patas dianteiras, soltou um urro tão
forte que até ele se espantou. Quando olhou, viu o outro leão, de joelhos,
implorando: “Valha-me meu padim pade Ciço”.
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