sexta-feira, 18 de março de 2016

CRÔNICA - Os Cearenses (3ª Parte) - (WI)


OS CEARENSES 
DO OCO DO MUNDO
COM A CORAGEM E A CARA
(Terceira Parte)
Wilson Ibiapina*


São tantos os cearenses que moram fora do Estado natal que, se resolvessem voltar, não caberiam nas cidades.

Bem que tudo podia ter começado como na lenda. A índia Iracema, “a virgem dos lábios de mel” criada por José de Alencar, morre de parto. O filho dela, Moacir, foi levado para Portugal pelo pai, Soares Moreno. Quer dizer: o primeiro cearense foi embora. A diáspora cearense nunca mais parou.

Dizem que as secas periódicas são responsáveis pela migração. Olha que a primeira seca a marcar a nossa História ocorreu em 1606. O destino dos migrantes era o Sudeste. Preferiam São Paulo, onde a possibilidade de emprego era maior. O Porto do Mucuripe facilitou a saída dos que queriam também a aventura de desvendar os outros países. Hoje temos cearenses espalhados pelos quatro cantos do mundo.

Vamos continuar na terra do Tio Sam para falar de Euclides Pinto Martins, mais um que desembarcou por lá. Filho de Camocim, aos quinze anos entrou na Marinha Mercante e conseguiu chegar aos Estados Unidos. Na Filadélfia, fez curso de engenharia mecânica, obteve brevê de piloto, casou-se com uma americana e fez parte do primeiro voo New York-Rio de Janeiro. Virou herói nacional e nome do aeroporto de Fortaleza. Sua história é um livro. Pinto Martins decidiu mudar de profissão. Desembarcou no Rio disposto a explorar petróleo. Suicidou-se no dia 12 de abril de 1924. Monteiro Lobato conta no livro Escândalo do Petróleo e do Ferro que Pinto Martins foi vítima dos lobistas que não queriam ver o país se desenvolver.

Francisco Carlos de Araújo Barbosa é outro cearense apaixonado por avião. O jornalista Rangel Cavalcante, que é primo dele, conta que Barbosa, ainda menino, ia quase todo dia olhar os aviões americanos que ficavam na Base Aérea de Fortaleza, durante a Segunda Guerra Mundial. 

Fez amizade com os militares americanos e um coronel pediu autorização ao seu Carlos Barbosa para levar o Barbosinha, seu filho, para os Estados Unidos. O pai adotivo deu-lhe formação militar. Foi piloto da Força Aérea Americana na guerra da Coreia.

Quando deu baixa, trabalhou no escritório da Companhia Siderúrgica Nacional em Nova Iorque. Depois, montou escritório naquela cidade, onde ganhava dinheiro e trabalhava como verdadeiro embaixador do Ceará e do Brasil. Resolvia todo tipo de problema de quem o procurasse. Morreu pilotando seu próprio avião.

Entre os muitos cearenses que escolheram os Estados Unidos para viver está Joseph de Souza, morando no Colorado. Ele mesmo conta que “rapaz pobre, a exemplo de milhões de outros cearenses, deixou o Ceará em seca para ir à procura das águas da esperança”. “Tangido pelo forte instinto de sobrevivência, viajei em pau de arara como muitos outros. Embarquei num velho navio do Loide Brasileiro para o Rio, onde entrei na Força Aérea Brasileira.” 

Enviado aos Estados Unidos para um curso de engenharia aeronáutica, o mundo se abriu a seus pés. Lá, mudou de rumo, ingressou no comércio internacional, casou com uma americana. Ele diz que “no futebol da vida, nem todos podem ser pelés e garrinchas”. “Eu me contento em ficar no meu banco, aplaudindo os jogadores. Vivo agora num calmo pé de serra das Montanhas Rochosas.” Escreve Joseph de Souza: “não dei nome a nenhum aeroporto, mas sinto a satisfação de missão cumprida. Posso, feliz, levar meu avião ao hangar. E agradece a Pinto Martins pela inspiração”.

Nem todos, porém, têm a mesma sorte. É o caso da modelo cearense Camila Bezerra, 22 anos, que foi morar e trabalhar na China. Foi encontrada morta na manhã de primeiro de janeiro de 2013. Um mistério que a família, lá do Ceará, tem dificuldades para desvendar. Está lá na internet o site “Cearense pelo mundo”.

A intenção é que se identifiquem ali, narrem suas histórias. Ana Cláudia já foi lá e conta que saiu de Fortaleza em 2002 e foi morar no Texas.  No Ceará, era professora de inglês. O calor de lá faz Sobral e o Piauí virarem Sibéria. Mas se diz feliz. Como feliz está a cearense Rita Lopes, que mora em Lisboa com o filho Hamilton. Foi pra lá como chef de cozinha da Embaixada do Brasil em Portugal. Aposentou-se e hoje trabalha fazendo banquetes para os ricos. Não tem se queixado. Como também não se queixa o Isaías, cearense de Amontada.

Ele casou-se com a portuguesa Luísa e os dois tocam o restaurante Regaço da Rainha, na cidade de Fátima. Entre seus inúmeros clientes ele cita o ex-embaixador do Brasil em Portugal,  Paes de Andrade, e  Zildinha, sua mulher.  Sempre que iam ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima,  passavam  no restaurante do Isaías para saborear os pratos da  culinária portuguesa preparados pela Luísa. O jornalista, Macário Batista, é outro que já encontrei no Regaço da Rainha encarando um borrego assado na brasa (aquele cordeirinho, com menos de um ano) e degustando um tinto do douro. 

O sociólogo pernambucano, Gilberto Freire, dizia que não se “imaginam mais migrações de cearenses para a Amazônia como as que se sucederam às secas de 1877, de 1888 e de 1900: migrações tão fortes que se justifica a generalização de ter sido o braço cearense que povoou o Amazonas e cearense o movimento de que resultou o Acre”.

O economista, José Márcio dos Santos, diz que, a partir da década de 1980, o Ceará apresenta um saldo migratório negativo. São as mudanças na dinâmica econômica cearense. Os economistas apontam a redução e terceirização do emprego na indústria no Sudeste, os novos focos de crescimento econômico no Nordeste e os programas de transferência de renda do governo federal como os principais fatores que estão prendendo mais o cearense a seu torrão natal. Aquela mão de obra especializada – médicos, engenheiros, economistas –, que São Paulo recebia sem precisar investir um só tostão, agora já pode ficar no estado. Tem também o problema de moradia, de oferta de emprego e violência.

Em 1944, Gilberto Freire, numa conferência no Teatro José de Alencar, em Fortaleza, intitulada “Precisa-se do Ceará, perguntava: “Melhoradas as condições de vida e aumentadas as oportunidades de êxito, no próprio Ceará, continuará o cearense a emigrar e a difundir seus traços por esses outros estados?” Continuará a haver um cearense nômade, “cigano”, “judeu”?

Acredito que sim, viajar é da formação, é a sina dessa gente. Santo Agostinho dizia que o destino coincide substancialmente com a vontade de Deus. Para o professor mineiro Fausto de Brito, demógrafo da Universidade de Minas, esse movimento de pessoas faz parte da dinâmica das sociedades.

E muitas histórias ainda vão ser contadas como a que Sérgio Porto imortalizou. O cearense em Moscou, desempregado, passando fome, chega a um Circo no momento em que o domador, desesperado, procurava uma solução para o espetáculo. Um dos leões acabara de morrer e o circo estava lotado. Ao ver aquele homem atarracado, cabeça chata, não pensou duas vezes. Contratou o cearense para se passar pelo leão. Colocou uma pele do animal, entrou na jaula e foi levado para o picadeiro. O que ele não sabia é que lá já estava um outro leão. Em pânico, imaginou rapidamente uma saída para intimidar a fera. Levantou as patas dianteiras, soltou um urro tão forte que até ele se espantou. Quando olhou, viu o outro leão, de joelhos, implorando: “Valha-me meu padim pade Ciço”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário