quarta-feira, 2 de março de 2016

CRÔNICA - O Inferno Astral dos Ousados (RV)

O INFERNO ASTRAL DOS
OUSADOS
E DAS SUAS VÍTIMAS DIRETAS
Reginaldo Vasconcelos*


Só quem pode sofrer tudo, pode tudo ousar. (Marquês de Vauvenargues – Y1715 - V1747)


Compensa não. Não vale a pena subir demais, sem nenhuma garantia de depois poder descer suavemente. Maior o coqueiro, maior é a queda.

E eu sempre me compadeço da futura mala suerte daqueles a cujo balão de ar a vida começa a dar corda e mais corda, produzindo a “crônica de uma tragédia anunciada” – em paráfrase a Gabriel Garcia Marques.

Quando Lula assumiu em prantos a Presidência da República à vez primeira, lembro que antevi o sofrimento que adviria daquele evento, quando aquilo se revelasse uma vitória de Pirro, principalmente pensando eu no trauma que viria a sofrer Dona Marisa – a Loura, como a chamava o seu marido.

Ele, um notório aventureiro casca grossa, calejado pelos reveses e pronto o oferecer mais um dedo ao caleidoscópio da ousadia. Sabia eu que ele estava pagando para ver, e teria natural conformação com o infausto resultado. Mas ela, moça da vila operária, gente de bem, afeita à pacata comadrice das vizinhas – essa amargaria a vergonha de se pensar rainha, para se descobrir depois ainda presa ao borralho das origens.

Não deu outra. Tenho certeza de que a essa altura a então Primeira Dama do País sente-se a última mulher do mundo, com inveja das comadres que esnobou ao lhes poder olhar de cima, e que eventualmente mimoseou com os vaidosos favores do poder, mas que permanecem em paz ao rés do chão, lavando as cuecas dos honrados maridos, com a maior dignidade, enquanto ela mesma flana coitada, com a família toda, sobre um repulsivo mar de lama, sustida na cestinha de vime do aeróstato da política, da polícia, da Justiça, voando desgovernado para o caos.

Quem, em sã consciência, queria estar hoje nos chinelos do Lula? Trata-se de um Ícaro que voou alto, mas a cujas asas o sol deliu a cera, e agora bate em desespero os fragmentos da falsa plumagem – cai aqui, cai acolá – enquanto sofre o ataque impiedoso das águias verdadeiras – pega, não pega; pega, não pega – “Ora não pega!”, como diria o Eli Aguiar.  

Quem gostaria de ser a Marisa Letícia de agora, que não pode sair às ruas? Não pelas cautelas inerentes ao cargo, e não mais pelo assédio dos muitos e fanáticos eleitores do marido – mas não pode ir e vir porque corre o risco de sofrer linchamentos morais presenciais, de ouvir impropérios perversos das massas iradas, de receber em rosto os ovos podres da indignação do povo e da revolta nacional.

Eu tenho pena. Como advogado criminalista, muita vez sou instado a defender juridicamente um infrator, mesmo sabidamente culpado – e quando o faço é para vigiar ao menos para que se lhe aplique a pena justa, e que lhe respeitem as prerrogativas legais – mas, em qualquer caso, com grande comiseração pelo semelhante que se desvia da senda do bem, para atacar direito alheio e destruir o próprio destino.

A propósito disso, o magnífico ator Osmar Prado, que certa vez representou Adolfo Hitler numa peça de teatro, tanto “entrou no personagem” que passou a defender de público a pessoa intrínseca do déspota sanguinário, como a compreender o processo de seu desvario e insanidade – sem desconhecer e sem negar a sua conduta monstruosa e os crimes contra a humanidade que ele de fato cometeu. E, por conta disso, o artista sofreu booling da imprensa nacional, até se calar.  

Nesse sentido, filosoficamente, miudamente, também me apiedo das pessoas que delinquem – mesmo os mais celerados bandidos, ainda que sejam os ditadores mais cruéis – sem prejuízo de lamentar sua sanha, e da compaixão muito maior que devoto a cada uma de suas vítimas inocentes.

Mas guardo uma condolência especial para suas vítimas mais diretas – as mulheres que a vida, via de regra, anexou a essas pessoas, as quais sofrem horrores e choram a cântaros – as pobres mães dos criminosos e suas santas mulheres, que assistem aos seus heróis se converterem em lixo humano – e especialmente a sua prole, que sai arrastando vida afora um trecho da memória apodrecida pela história vergonhosa de um inditoso genitor.

Sabidos-sabidos são os que não se deixam encantar pela sereia da vaidade e do orgulho, pautando-se pelo comedimento e a virtude; bestas-sabidos são aqueles que se esgueiram pelos meandros da impostura alheia, passando-se por inofensivos, para ao final tirar vantagens para si.

Já os sabidos-bestas são aqueloutros que parece tacitamente fazerem pactos com o demônio, para que este lhes garanta celebridade e aplauso, poder e fortuna, pompa e circunstância, ainda que ao final lhes esfole o caráter com a lâmina da vergonha, e lhes arranque a alma, para espichá-la no curtume da desgraça.

           

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