O INFERNO ASTRAL DOS
OUSADOS
E DAS SUAS VÍTIMAS DIRETAS
Reginaldo Vasconcelos*
Só quem pode sofrer tudo, pode tudo ousar. (Marquês de Vauvenargues – Y1715 - V1747)
Compensa
não. Não vale a pena subir demais, sem nenhuma garantia de depois poder descer
suavemente. Maior o coqueiro, maior é a queda.
E
eu sempre me compadeço da futura mala suerte
daqueles a cujo balão de ar a vida começa a dar corda e mais corda, produzindo a
“crônica de uma tragédia anunciada” – em paráfrase a Gabriel Garcia Marques.
Quando
Lula assumiu em prantos a Presidência da República à vez primeira, lembro que
antevi o sofrimento que adviria daquele evento, quando aquilo se revelasse uma
vitória de Pirro, principalmente pensando eu no trauma que viria a sofrer Dona
Marisa – a Loura, como a chamava o seu marido.
Ele,
um notório aventureiro casca grossa, calejado pelos reveses e pronto o
oferecer mais um dedo ao caleidoscópio da ousadia. Sabia eu que ele estava
pagando para ver, e teria natural conformação com o infausto resultado. Mas ela,
moça da vila operária, gente de bem, afeita à pacata comadrice das vizinhas – essa
amargaria a vergonha de se pensar rainha, para se descobrir depois ainda presa
ao borralho das origens.
Não
deu outra. Tenho certeza de que a essa altura a então Primeira Dama do País
sente-se a última mulher do mundo, com inveja das comadres que esnobou ao lhes
poder olhar de cima, e que eventualmente mimoseou com os vaidosos favores do
poder, mas que permanecem em paz ao rés do chão, lavando as cuecas dos honrados
maridos, com a maior dignidade, enquanto ela mesma flana coitada, com a família
toda, sobre um repulsivo mar de lama, sustida na cestinha de vime do aeróstato da política, da polícia, da Justiça, voando desgovernado para o caos.
Quem,
em sã consciência, queria estar hoje nos chinelos do Lula? Trata-se de um Ícaro
que voou alto, mas a cujas asas o sol deliu a cera, e agora bate em desespero os
fragmentos da falsa plumagem – cai aqui, cai acolá – enquanto sofre o ataque impiedoso
das águias verdadeiras – pega, não pega; pega, não pega – “Ora não pega!”, como
diria o Eli Aguiar.
Quem
gostaria de ser a Marisa Letícia de agora, que não pode sair às ruas? Não pelas
cautelas inerentes ao cargo, e não mais pelo assédio dos muitos e fanáticos eleitores
do marido – mas não pode ir e vir porque corre o risco de sofrer linchamentos morais presenciais,
de ouvir impropérios perversos das massas iradas, de receber em rosto os ovos
podres da indignação do povo e da revolta nacional.
Eu
tenho pena. Como advogado criminalista, muita vez sou instado a defender
juridicamente um infrator, mesmo sabidamente culpado – e quando o faço é para
vigiar ao menos para que se lhe aplique a pena justa, e que lhe respeitem as
prerrogativas legais – mas, em qualquer caso, com grande comiseração pelo
semelhante que se desvia da senda do bem, para atacar direito alheio e destruir
o próprio destino.
A
propósito disso, o magnífico ator Osmar Prado, que certa vez representou Adolfo
Hitler numa peça de teatro, tanto “entrou no personagem” que passou a defender de
público a pessoa intrínseca do déspota sanguinário, como a compreender o
processo de seu desvario e insanidade – sem desconhecer e sem negar a sua
conduta monstruosa e os crimes contra a humanidade que ele de fato cometeu. E,
por conta disso, o artista sofreu booling
da imprensa nacional, até se calar.
Nesse
sentido, filosoficamente, miudamente, também me apiedo das pessoas que
delinquem – mesmo os mais celerados bandidos, ainda que sejam os ditadores mais
cruéis – sem prejuízo de lamentar sua sanha, e da compaixão muito maior que
devoto a cada uma de suas vítimas inocentes.
Mas
guardo uma condolência especial para suas vítimas mais diretas – as mulheres
que a vida, via de regra, anexou a essas pessoas, as quais sofrem horrores e
choram a cântaros – as pobres mães dos criminosos e suas santas mulheres, que
assistem aos seus heróis se converterem em lixo humano – e especialmente a sua
prole, que sai arrastando vida afora um trecho da memória apodrecida pela
história vergonhosa de um inditoso genitor.
Sabidos-sabidos
são os que não se deixam encantar pela sereia da vaidade e do orgulho,
pautando-se pelo comedimento e a virtude; bestas-sabidos são aqueles que se
esgueiram pelos meandros da impostura alheia, passando-se por inofensivos, para ao final tirar vantagens
para si.
Já
os sabidos-bestas são aqueloutros que parece tacitamente fazerem pactos com o demônio,
para que este lhes garanta celebridade e aplauso, poder e fortuna, pompa e
circunstância, ainda que ao final lhes esfole o caráter com a lâmina da vergonha, e lhes arranque a alma, para espichá-la no curtume da desgraça.
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