sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CRÔNICA - Mário Gomes - Poeta, Santo e Bandido (DSF)

MÁRIO GOMES
POETA, SANTO E BANDIDO
Dorian Sampaio Filho*

Recebo do presidente da Academia de Literatura e Jornalismo, Reginaldo Vasconcelos, um exemplar da biografia de Mário Gomes, de autoria do poeta e diplomata Márcio Catunda, meu ex-colega no Colégio Militar de Fortaleza. Trata-se de uma quinta edição, agora acrescida de depoimentos e crônicas de adeus ao poeta. Tive a graça de editar a segunda e a terceira edições deste mesmo livro.

Foi a partir do livro de Márcio Catunda que me aproximei do poeta. Um fato marcou a nossa amizade. Mário me procurou para sondar os custos de uma provável edição de sua antologia poética. Confesso que fiz os cálculos apenas para acalmar os seus ânimos. Tinha como certo que ele jamais se organizaria ao ponto de contratar os serviços da editora. Mário, no entanto, de posse da planilha de custos, procurou a Fundação Cultural de Fortaleza para apoiá-lo no projeto.

Ficou tudo acertado: a Fundação disponibilizaria verba para fazer parte do pagamento e o poeta pagaria o restante. Lembro da atitude positiva do Mário: “Dorian, você trata de receber da Fundação e deixa que a minha parte eu garanto...”

Assim foi feito. Mário, passou a me visitar diariamente, sempre trazendo uns trocados para abater a sua dívida, enquanto, por outro lado, eu digladiava com os burocratas da Fundação para viabilizar a verba prometida. Final das contas, saiu o livro “
 
Uma Violenta Orgia Universal – Antologia Poética de Mário Gomes (desaconselhável aos puritanos)”.

O poeta, mesmo antes do lançamento de sua obra, já havia cumprido a sua parte. Pagou tostão por tostão. Da Fundação Cultural de Fortaleza, muito tenho a lamentar, até hoje não empenharam a conta do poeta...

Mário nos deixou no último dia de 2014. Agonizou onde sempre brilhou, num banco da Praça do Ferreira. Marginalizado por uma sociedade muitas vezes hipócrita, o andarilho, que um dia dominou as salas de aula como professor de português, partiu deixando um rastro de dignidade.

Mário Gomes, embora maltratado pela dureza da vida que escolheu, manteve até o fim a elegância do terno com lenço na lapela. Não era um pedinte qualquer. Não mendigava. Aos mais próximos se dirigia para pedir cigarro ou bebida com a atitude de quem cobra algo que a sociedade lhe usurpou.

Não à toa que os maus tratos não o vergaram para baixo como acontece aos comuns, que com a idade tornam-se corcundas olhando para o chão. Mário Gomes vergou para trás, olhando as estrelas, personagens singulares de sua poesia, como a dizer que se dignava em ser o que era.

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