O LEVIATÃ
GOLPEADO
Reginaldo Vasconcelos
Uma das grandes ilusões que cultiva a
sociedade moderna é a concepção de que o ser humano nasce credor de direitos
naturais, só por ter nascido, só por ser humano.
Na verdade, a pessoa nasce para viver uma
aventura presuntiva que lhe impõe a Natureza, sem nenhuma certeza, sem garantias,
sem qualquer prerrogativa. Tudo é casual e aleatório.
Isso é comum a tudo que nasce e que vive,
porém os seres racionais descobrem a existência de Deus, inteligência superior
que se manifesta na pessoa em forma de sentimentos elevados, de senso de
justiça, da equação lógica que preside o Universo, e tudo passa a ser
predestinado. Tudo então é destino.
Outra das grandes lendas sociais é a
compreensão equivocada de que a coisa pública seja de todos, de que os dinheiros
do erário pertençam aos seus contribuintes. Acontece que aquilo que seja de
todos, resulta que não será de ninguém, de modo que pensar assim é falso e torpe.
O indivíduo tem seu corpo, seus afetos, um
acervo cognitivo, geralmente deveres sociais e obrigações jurídicas, que lhe
fazem presumir direitos respectivos – e eventualmente algum patrimônio
material, sobre o qual tenha domínio.
É correto entender que as verbas estatais
advêm do trabalho pessoal dos cidadãos, que com o fruto de seu gênio e dos seus
esforços físicos alimentam a fazenda pública, recolhendo as taxas e os impostos
pelo sistema tributário.
Também é verdade que esses recursos visam
promover o bem comum, através das políticas de governo, porém não é real o
entendimento de que, por isso, eles sejam propriedade de cada um dos cidadãos.
Fosse assim, seria virtualmente factível
ratear o erário de maneira igual entre a população contribuinte, que paga
impostos diretamente ou através do consumo, para definir a qualquer tempo em
quanto orça o patrimônio de cada um, jacente aos cuidados do governo.
Ora, ninguém pode se considerar
proprietário de um montante indefinido, já que as pessoas contribuem de forma
idealmente justa, mas desigual, de conformidade com a sua renda e o seu
consumo, embora tenham jus a idênticos benefícios estatais.
Além disso, os valores recolhidos ao Estado
não são propriedade das pessoas porque estas não têm sobre eles qualquer
controle objetivo, e propriedade é aquilo que se pode fruir, usar, reclamar de
volta e dispor a qualquer tempo, da forma que aprouver ao proprietário. Nada
disso pode o cidadão em relação às verbas públicas. Logo, elas não são mais dos
indivíduos, pois pertencem ao Leviatã político, que as manipulam ao bel-prazer.
Então, o que está no poder do cidadão é
tão-somente o voto livre, para com ele manifestar sua confiança e punir com o
seu inconformismo os próceres que se propõem a administrar as verbas públicas,
aplicando-as inteira, honesta e inteligentemente no interesse social.
A ideologia que orienta a esquerda
brasileira aborda esses conceitos acima mencionados de maneira equivocada,
quando defende direitos iguais para os que tenham mérito e para os que não
tenham nenhum merecimento, reconhecendo prerrogativas especiais para minorias sociais que
não são de fato desvalidas pela sorte.
Apenas em função de sua classe social, etnia
ou orientação de gênero, as pessoas conquistam liberdade plena para que seus grupos
de ego se “empoderem” e se “apropriem” do patrimônio físico e moral dos dispersivos,
ocupando espaços que não são seus e até atacando o sagrado direito natural de ir e
vir dos cidadãos.
Agentes públicos incumbidos de manter a
ordem social, se necessário com o emprego da força, são inibidos em sua ação
profissional, pois manifestantes, violentos ou não, estão tacitamente ungidos
pelo presumido direito de agredir o que quiserem, em nome de suas bandeiras.
Reagir à sua ação e tocar neles com alguma
energia para os dissuadir ou remover pode prejudicar administrativa e
penalmente os que, sob o pálio do “exercício regular de direito” e do “estrito
cumprimento do dever legal”, estão
legitimados a fazê-lo.
Enfim, essa filosofia distorcida autoriza o
crime violento contumaz, visto o delinquente como um manifestante especial que
se “empodera” de seus direitos naturais de ser feliz e, em face de suas
carências sociais, da sua pobreza, das discriminações sofridas –
coitado – se “apropria” do alheio, inclusive dispondo das vidas de terceiros que estorvem a sua sanha.
Essa mesma concepção que legitima subliminarmente
a ação dos sociopatas, dos agitadores inconsequentes, das minorias arrogantes, dão
franquia aos administradores públicos desonestos a lançar mão dos dinheiros da
Nação em seu benefício próprio, e para comprar a sua permanência no poder – e o monstro lança o brado de “GOLPE!”, quando forças anabólicas coincidem de repente, se conjugam e conseguem usar a lei a bem do povo, sarjando pústulas, cauterizando ferimentos.
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