sábado, 16 de março de 2019

ARTIGO - Maniqueísmo (HE)


MANIQUEÍSMO
Humberto Ellery*


Nos primórdios do Século III (d.C.), quando o gnosticismo primitivo começou a perder influência no mundo greco-romano, na Pérsia, um filósofo cristão chamado Maniqueu, elaborou uma filosofia religiosa e sincrética pela qual o mundo era dividido em apenas duas vertentes, a Luz, o Bem, o próprio Deus; ou as Trevas, o Mal, o Diabo em pessoa.


A leitura estúpida de Mateus 6: 24 –  “ninguém pode servir a dois senhores, pois amará a um e odiará o outro...”  não deixava alternativas: ou bem o cristão estava com Deus ou era condenado a servir ao Diabo.

Tal doutrina filosófica foi tão influente que Agostinho de Hipona (ele mesmo, o Santo Agostinho) se deixou enredar por essa maluquice, até o dia em que, com sua prodigiosa inteligência, desvendou a mensagem amorosa do Cristo, muito mais ampla, generosa, acolhedora, e não comportava esse dualismo rudimentar. Sua conversão ao catolicismo pleno, seus estudos, sua santidade, fizeram de Agostinho um dos maiores Teólogos do Cristianismo, e por sua ação catequética restabeleceu a antiga Fé, e aquele maniqueísmo religioso se esvaneceu na poeira do tempo.

Mas o termo “maniqueísta” sobreviveu e se tornou um adjetivo que até hoje designa as pessoas que reduzem todo posicionamento filosófico, político ou doutrinário em Nós X Eles, Esquerda ou Direita, Lula ou Bolsonaro, numa estreiteza de visão política que mata no nascedouro qualquer diálogo minimamente sensato.

Este último par de antolhos, embora recente, tem feito um estrago “dos diabos” em nossa sociedade, inclusive tem sua matriz original na dicotomia “esquerda-direita”. Membros fanatizados das duas seitas, a Lulista e a Bolsonariana, se enfrentaram na última eleição presidencial com uma fúria sectária tão cheia de ódios e acusações, que atingiu níveis inesperados de desagregação e desavença, inclusive nas famílias.

Irmãos antes unidos e amoráveis chegaram a se estapear, casamentos com muitas bodas comemoradas azedaram, amizades antigas e fraternas transformaram-se em inimizades irreconciliáveis.


Ambas as seitas reivindicam para si a primazia do Bem, “o inferno são os outros” (Sartre explica), e na tentativa de destruição dos adversários, ou melhor, inimigos, ficam nas redes (anti)sociais se agredindo, desferindo impropérios, ofensas, acusações e fake news carregados de ódio, sem perceberem que estão na verdade se auto-alimentando pois ambas as seitas se nutrem justamente de ódio.

Eu, particularmente, não me ajoelho perante nenhum dos dois altares, nem do Lula nem do Bolsonaro. No segundo turno das últimas eleições não votei no Haddad por não querer a volta do PT e do Lula ao poder, pois, segundo o meu entendimento, o Lula é o mais pernicioso personagem da História do Brasil. Mas ao digitar na urna o 17 do Bolsonaro, e apertar o botão verde CONFIRMA, o fiz com o mesmo sentimento de quem aperta o botão do vaso sanitário, e pensei: “vai dar ruim!”

Continuo achando que o “Mito” é honesto e bem-intencionado, mas é obtuso, inculto, ignorante, populista, histriônico, sem o mínimo cacoete de um líder, em suma é constrangedoramente despreparado para exercer, com um mínimo de competência, as complexas e difíceis funções de um Presidente da República. Um alienado sem a menor compreensão da realidade.

Por tudo isso, ultimamente me afastei das discussões políticas, pulei fora desse campo conflagrado, não por medo, mas por tristeza. Como não estou de um lado nem do outro, estou no meio do fogo cruzado, tenho levado porrada dos dois lados. Já fui chamado de fascista, esquerdista, idiota, imbecil, já fui ofendido até de “petista”. Já tive artigo meu censurado em um blog que assumiu abertamente a proposta de evolução política presente no discurso “mítico”. É mole?

Da tal equipe ministerial brilhante só escapam os generais, realmente brilhantes, porque o próprio Posto Ypiranga, mesmo tendo um invulgar brilho como economista liberal, como político (e seu cargo é político) tem dito bobagens aos montes.

Mas vamos pedir ao nosso Deus do Amor Infinito que vele por nosso Brasil.

Oremos.



COMENTÁRIO

Esse artigo do impagável Humberto Ellery é um verdadeiro achado, na seleta de toda a produção de jornalistas políticos vertida atualmente sobre o momento nacional. Dificilmente, talvez nem nas célebres cartas de Cícero, se encontre uma tese tão bem elaborada, vazada com tamanha erudição, para ao fim e ao cabo desaguar um Amazonas de lógica em uma conclusão pelagicamente equivocada. Enfim, uma valiosa pérola do paralogismo sofismático.

A política brasileira, depois de devolvido o seu timão ao mundo civil, era um Titanic desvairado, navegando de deu em deu, tripulado por gente como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, José Sarney, Jáder Barbalho, Fernando Collor, Renan Calheiros, Antônio Carlos Magalhães, Fernando Henrique Cardoso, além de outros quejandos, todos muito probos cidadãos, defensores de seus feudos regionais, fazendo a política de favores dos coronéis, com o espírito público circunscrito à família, à cupinchada, restrito ao seu obtuso e passional eleitorado.

Insatisfeito com isso, o povo guinda ao poder a esquerda brasileira, a mesma que perdera a batalha ideológica contra o regime militar, tendo um operário sindicalista como ponta de lança, na esperança de que aquela política velha fosse enfim proscrita, e que a visão socialista pudesse promover a redenção moral, a justiça social e a salvação econômica da Nação.

Malgrado, década e meia depois, um carnavalesco e edênico Titanic, que se convertera numa Arca de Noé, levando no bojo representantes de toda a fauna politiqueira nacional, as tais “criaturas do pântano”, faz água e vai a pique – e Jair Bolsonaro, até então um histriônico Deputado Federal cariosa, não teve nada a ver com isso.

Pronto. Vamos ao epílogo. O único mito  que se construiu em quinze anos  é o ex-presidente e atual presidiário Lula da Silva, cultuado pela caterva que ele cevou nos cochos gordos da Nação, e pelo exército de zumbis que o seu discurso produziu, como aquele flautista mágico da fábula, que encantava e se fazia seguir pelos ledos camundongos.

Jair Bolsonaro recebeu esse epíteto de “Mito” apenas para que fosse adequadamente contraposto ao antagonista, verdadeiramente mitológico, pois um ídolo de fato não se produz em uma campanha. Jair Bolsonaro, para todos os bolsonaristas, ainda não é uma grande devoção, pois não passa de uma esperança, de uma aposta arriscada, a única presuntiva bala de prata contra o mal de Maniqueu.

Voltando à analogia náutica, já que comento o artigo brilhante de um Oficial de Marinha, Jair Bolsonaro, para os bolsonaristas, tem as mesmas virtudes de uma tosca tábua de salvação desprendida do soçobro.

Feia, fria, desconfortável, instável, derivante, com todos os defeitos que Ellery lhe atribui, porém sólida e franca, verdadeira e sincera, desejada, festejada e beijada pelos que nela lograram embarcar procurando a salvação. Nesse sentido, embora imperfeito, para os lúcidos navegantes, esse pobre destroço náutico é a configuração simbólica do que Maniqueu chamava Deus.

Sim. Oremos!

Reginaldo Vasconcelos
          


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