quinta-feira, 29 de novembro de 2018

CRÔNICA - Tenda Árabe (WI)


Tenda Árabe
Wilson Ibiapina*



Estava olhando aqui no blog da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, uma reunião na Tenda Árabe. Trata-se de um espaço criado pelo advogado e jornalista Reginaldo Vasconcelos para reunir os amigos, principalmente, os que são membros da ACLJ. A Tenda fica no quintal de sua casa, entre a Embaixada da Cachaça e a cozinha de sua residencia.


São as fontes da bebida e da comida que abastecem os frequentadores da Tenda. Na Embaixada,  o Altino Farias disponibiliza qualquer marca de qualquer lugar do Brasil, ali na Rua João Brígido, 1245. “Cachaça é momento”, diz Altino.  

Da cozinha do Reginaldo saem  as peças de resistência.   Esse local de encontro saudável só me faz lembrar  o professor  Filgueira Sampaio, autodidata que durante anos  lecionou em vários ginásios, colégios e academias da capital cearense.

Foi jornalista, membro da Associação Cearense da Imprensa e  trabalhou no diário católico “O Nordeste”.  Dirigiu em Fortaleza,  o  Instituto Valdemar Falcão, onde procurou sempre imprimir a seus alunos uma educação dentro dos mais rígidos princípios de fidelidade á Pátria. 

Um dia, no inicio da década de 60, eu e o Narcélio Limaverde fomos convidados pelo jornalista Teixeira Cruz para conhecer o grande poeta popular, que vinha do Cariri. O encontro foi  na residência do professor Filgueira Sampaio, fundador da Associação Cearense de Folclore, que teve como seu primeiro sócio honorário o historiador, folclorista e poeta Luis Câmara Cascudo. 

A associação, assim como a Tenda Árabe, recebia os convidados no quintal da  casa do professor, debaixo de uma árvore frondosa, que até hoje nem eu nem o Narcélio lembramos  se era  oiti ou pé de jaca. Não pergunte que árvore é aquela que nos abriga na Tenda Árabe. O professor Filgueira mandou servir um vinho de nome Velho Capitão. Dizia  que era uma homenagem a Assis Chateaubriad, na época nosso patrão nos Diários e Emissoras  Associados.

Quando ainda estávamos no segundo gole, o professor começa a apresentar o homenageado da noite, um poeta simples, mas dos mais competentes. Antônio Gonçalves da Silva, que fazia versos como quem sabe ler e escrever.  E foi logo se apresentando:

Eu sou de uma terra em que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba do sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará

Era o Patativa do Assaré sendo lançado pelo professor Filgueira Sampaio. Um autodidata que honrou o Ceará e enobreceu a profissão. Um exemplo de vida dedicado á Educação. O Narcélio e eu viramos frequentadores da Associação, por suas atrações e pelo Velho Capitão.
  
Hoje, temos o Reginaldo, que  reúne intelectuais em sua Tenda. Expande cultura, congrega, agrega, diverte e incentiva. Reginaldo é hoje o que o Claudio Pereira foi no passado: um animador cultural, como foi o professor Filgueira Sampaio. Nas suas reuniões, além do folclore e da poesia popular, discute-se assuntos da Academia, como o título  “Homem do Ano no Ceará em 2018”, que será entregue ao engenheiro Ângelo Guerra, o melhor diretor do Dnocs. Entram temas como  disco voador, passando pela economia, literatura, esporte, religião, mulher – e vão  até  ao papo furado, aquele que quando se olha o relógio já acabou o dia. Uma tenda das mil e uma noites, uma tenda dos milagres.




COMENTÁRIO

O querido confrade Wilson Ibiapina escapa de se tornar um frequentador inveterado na nossa Tenda Árabe, porque mora longe, radicado em Brasília há tantos anos. Então, torna-se um frequentador eventual da Tenda e da Embaixada, como nos dois registros fotográficos.

Mas de lá ele saúda a cearensidade nessa crônica preciosa, lembrando gente tão grada como o nosso Narcélio Limaverde e o pranteado Patativa do Assaré – aquele recendente ao praiano murici, que medra nas dunas fortalezenses, este último trescalando o olorinho da sertaneja carnaúba.

E Ibiapina perpetra o exagero de me comparar a outros grandes, como o já antigo Filgueira Sampaio e o ainda recente Cláudio Pereira, entre os maiores catalisadores das pessoas de letras e das artes cearenses, perigando me fazer, imodestamente, acreditar ter esse mérito.

Resta-me acrescentar que a árvore que ainda enfeita a Tenda Árabe é um Cedro-do-Líbano, com exatamente a minha idade, ainda hirto como o cadáver de El Cid em seu cavalo, servindo de nicho ao ícone mariano na sua feição vinda a Iria, que, segundo a crença da minha saudosa mãe, vela por mim.

Quero anotar ainda que o espaço tido como o lounge da ACLJ na Embaixada da Cachaça que chamamos “Tenda Árabe” ganhou esse nome por influência do Senador Artur da Távola, o grande jornalista, político e musicófilo carioca, que costumava conversar comigo pela Internet a partir de um cômodo especial de sua casa, no Rio de Janeiro, que ele assim denominava, pois ele era neto de árabe pela sua linha materna.

Reginaldo Vasconcelos
     


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