FISCAL DA NATUREZA
Antonio de
Albuquerque Sousa Filho*
A nossa primeira viagem a Argentina, Uruguai e Paraguai, foi em janeiro de 1989, realizada através da Soletur, empresa pioneira no Brasil em viagens nacionais e internacionais, utilizando ônibus especiais e confortáveis e voos fretados à Varig, com acompanhamento de guias conhecedores da História e Geografia dos locais e roteiros programados. A Soletur deu inicio às suas atividades em 24/02/1964, sendo extinta em 25/10/2001.
A excursão da qual participamos, de ônibus, era chamada “4
Bandeiras” e começava na cidade do Rio de Janeiro, passando pela cidade
de São Paulo, onde embarcamos, seguindo para o Paraná, onde visitamos o Parque
Estadual de Vila Velha, situado no município de Ponta Grossa e depois Curitiba,
onde pernoitamos.
Na manhã seguinte, fomos a Santa Catarina, passando pelas cidades
de Laguna (terra de Anita Garibaldi), Joinville e Blumenau e pernoitando em
Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, excursionamos por Porto Alegre,
Gramado, Canela e seguimos para Chuí, atravessando a fronteira do Uruguai e Montevidéu. Fomos para Punta de las Balleinas e Punta del Este. Chegamos
a Buenos Aires e seguimos para Tres Arroyos e Baia Blanca e depois para
Bariloche, retornando por Baia Blanca e Buenos Aires.
Na ida para Assunção no Paraguai, pernoitamos no ônibus. Ficamos
ali por dois dias. Retornamos ao Brasil, pelo Paraná, onde visitamos a Usina
Hidrelétrica de Itaipu e as Cataratas, passando por Maringá e Londrina. A
viagem terminou em São Paulo, onde permanecemos por mais alguns dias.
Era procedimento normal, no início da viagem, que os passageiros se
identificassem para os demais excursionistas. Dizia-se o nome completo, o nome
de sua acompanhante, cidade de origem, atividade profissional, expectativa da
excursão e como gostaria de ser chamado. A apresentação do casal Moisés e
Lúcia, do Rio de Janeiro, chamou-nos a atenção de forma inusitada: “Minha
mulher chama-se Lúcia, dona de casa. Eu sou Moisés, fiscal da natureza”.
Algumas pessoas sorriram, mas ele explicou-se: “Trabalhei muito na vida. Duvido que alguém
tenha trabalhado mais do que eu. Fui empregado da IBM, responsável pela
elaboração de relatórios anuais de grandes empresas como a Mesbla, Sears
e Slopper, no tempo em que se usavam cartões perfurados nos
computadores. No período de fim de ano, ficava recluso por dias, dentro
do prédio da IBM, para terminar os relatórios anuais das referidas firmas.
Tinha um salário substancial, possuía elevado padrão de vida, tinha uma casa
ampla e confortável, possuía carro, muitas roupas e diferentes
modelos de sapatos.
Ao participar, na
casa de um dos meus filhos, da festa de aniversário de um neto, passei mal e
fui levado ao hospital. Foi identificado que tivera um infarto. Era
urgente uma cirurgia no coração. Coloquei três pontes de safena. Na
época, cirurgia do coração era coisa nova e insegura. O médico
recomendou-me que pedisse minha aposentadoria. Eu não estava preparado
para tomar tal decisão, mas fui obrigado a fazê-la”.
E continuou: “Pensei bastante
e, aconselhado por minha mulher, resolvi pedir aposentadoria e modificar
completamente minha vida. Chamei toda a família para uma reunião e anunciei
minha decisão. Doei todos os bens materiais, meus e de minha mulher, incluindo
casa, móveis, carro, joias, roupas e sapatos. Comprei um pequeno
apartamento em Niterói. Comuniquei que, dali para frente,
não daria mais presentes para ninguém e iria viver sem preocupações materiais”.
Sua definição de “Fiscal da Natureza”: É sentar numa praça
qualquer, olhar a passagem das nuvens, ouvir os cantos dos pássaros nas
árvores, verificar as diferentes cores das folhagens das plantas, ver
transeuntes que passam pelo local, respirar o ar, tudo sem pressa, sem ter
horário fixo ou compromissos inadiáveis. Em resumo: fazer tudo que tinha
deixado de fazer, em função do trabalho e da profissão. Tentar aproveitar
o máximo da vida, como viajar, encontrar amigos, tomar um café num local
agradável.
E assim, em cada local que visitávamos durante a excursão, enquanto
outros iam às compras, o referido casal ficava a passear e sem comprar nada.
Nos momentos mais sociáveis, em determinados jantares, estavam sempre com as
mesmas roupas. Moisés dizia ter apenas quatro anos de idade e nenhuma
preocupação. Recomeçou a contar seu tempo de vida a partir do seu renascimento
pós-operatório, como “Fiscal da Natureza”.
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