sexta-feira, 19 de outubro de 2018

ARTIGO - Areia Movediça (RV)


AREIA MOVEDIÇA
Reginaldo Vasconcelos*


A disputa pela Presidência da República entrou para o campo do patético nesse segundo turno da campanha eleitoral. Os dois candidatos passaram a agressões pessoais as mais descabidas – um, tratado como “cara de poste”, o outro tachado de “despreparado” – quando o que está em questão são os distintos projetos de governo que as duas vertentes representam.

Ora, qualquer candidato que fosse apresentado pelo PT traria consigo a política que caracteriza o último grupo no poder, assim como o outro é apenas a ponta de lança do estamento militar e das forças auxiliares, que a partir da prisão de Lula da Silva aproveitaram para reagir ao desprestígio que têm sofrido desde a restauração do regime democrático – o qual catalizou em torno de si todas as forças moralistas da Nação. 

Agora ambos os candidatos entraram a descaracterizar os projetos que haviam apresentado ao registrar as candidaturas – o petista, para tentar reduzir a rejeição e angariar votos da direita; o militar, para garantir os votos já conquistados e neutralizar as medidas mais antipáticas que pretende implementar.

Mas isso é um esforço inglório, porque o recuo de ambas as partes pode afugentar os seus próprios eleitores, que anseiam pelas medidas mais rigorosas agora renegadas, e que ingenuamente acreditem que elas foram mesmo abandonadas.

Por outro lado, não vão atrair os mais astutos da corrente oposta, que certamente intuem que aquelas políticas renegadas serão respectivamente retomadas por aquele que conquistar o cargo, pois é óbvio que esses recuos são meramente eleitoreiros.

A propaganda petista não percebe que os dois eleitorados estão devidamente consolidados, pois são formados por votantes conscientes do que preferem, absolutamente iniludíveis e  irredutíveis em suas posições já definidas.


Assim, quando o candidato da esquerda exibe, por exemplo, o seu opositor dizendo de forma jocosa “vamos fuzilar a petralhada”, brandindo uma metralhadora, em um dos seus gestos mais insensatos, isso só incomoda a “petralhada”, enquanto faz exultarem os eleitores da direita, os quais apreciam essas bravatas e exatamente por isso votam nele.

Por fim, o candidato de esquerda apresenta em sua propaganda terríveis cenas de tortura, que remontam a mais de 50 anos, atribuindo-as ao adversário, por ser ele militar e ter defendido a atuação enérgica das Forças Armadas durante o período revolucionário.

Mas ao expor as referidas cenas o candidato não se adverte de que as antigas vítimas da repressão talvez não tenham chegado a mil – e os milhões de eleitores estão atualmente acossados pelas centenas de milhares de inocentes atingidos pelo crime durante os últimos 15 anos.

Como se atribui responsabilidade pela criminalidade desvairada e impune aos últimos Governos Federais, que o candidato de esquerda representa, a simpatia do público é mais pela sociedade atual que pelos supliciados em passado tão remoto.

Ademais, todo marqueteiro sabe que atacar o opositor nas eleições é sempre uma política suicida, segundo a psicologia das massas, porque as pechas lançadas revertem em parte contra quem as articulou, em efeito bumerangue. No caso presente, como os ataques são mútuos, as intenções de votos se mantêm inalteradas. 

Então o PT partiu para fazer o mea culpa pelos dislates cometidos, que são notórios. Essa providência, que poderia ter algum efeito flutuador, se tomada a tempo, torna-se agora um pesado lastro de chumbo que mais afoga o candidato.

Já no último fôlego, o candidato petista tenta então dividir a vaga com uma frente suprapartidária, ou, recorrendo ao  “tapetão”, entregá-la ao  “apoiador crítico” Ciro Gomes, para pelo menos tentar atingir o objetivo maior da candidatura, que seria indultar Lula da Silva.

Enfim, têm-se a nítida impressão de que aquele que sobreviver a essa eleição não o fará pelos méritos próprios, mas pelos deméritos do outro – e, como se diz no futebol, às vezes um time ganha porque jogou bem, e às vezes ganha porque o adversário jogou mal. Será certamente esse o caso, seja quem for aquele que venha afinal a ser eleito.

Se Bolsonaro permanece no círculo de fogo, que ele e sua equipe alimentam com as suas declarações extremamente polêmicas e absurdamente irrefletidas, Haddad parece estar num poço de areia movediça, em que quanto mais a pessoa se debate mais afunda, mais naufraga. Triste Brasil! / Ó quão dessemelhante – parafraseando Gregório de Mattos e Caetano Veloso. 



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