terça-feira, 20 de setembro de 2016

CRÔNICA - A Morte de Domingos no Rio Santo (KK)


A MORTE DE DOMINGOS NO RIO SANTO
Karla Karenina*



Morremos porque temos um corpo físico. Ponto. Todos precisamos parar de vez um dia. Não morremos porque deixamos de fazer isso ou aquilo ou porque fizemos isso ou aquilo outro.

Mas nossa visão ocidental da morte quer racionalizar tudo. Quer o porquê, o culpado, a explicação científica e a mistificação da morte. Precisamos de algo que justifique e amenize a dor e a comoção causadas pela morte.

Desde quinta-feira, dia da morte de Domingos Montagner, tenho tentado perceber meus sentimentos, os sentimentos dos colegas da novela, das pessoas na rua...e chego a algumas constatações acerca desse fato.

O medo da morte nos provoca uma catarse coletiva e individual que nos une. O gênero humano com todas as suas complexidades está sempre às voltas com o fenômeno da morte. Convivemos o tempo todo com ela, sabemos que estamos todos sujeitos a ela e mesmo assim ainda não sabemos lidar com isso de forma natural.

Quando uma figura pública morre de forma tão trágica como o Domingos, ou como Airton Senna para citar apenas mais um exemplo, sentimos a realidade da morte mais perto e criamos empatia com o fato. Uns sofrem como se tivessem perdido um ente querido, uma pessoa próxima, outros talvez por não saberem lidar com seus sentimentos mais profundos de dor e medo, fazem piadas (maldosas e sem graça), outros reagem com indignação e protesto à falta de elementos que pudessem ter evitado o fato... O fato é que a pessoa morreu e ainda assim, está presente nos sentimentos de todos.

E para quem, de fato, conheceu, conviveu, esteve fisicamente muito perto de quem se foi? No meu caso, em particular, conheci Domingos quando ele gravava a novela "Cordel Encantado" e eu gravava a novela "Morde & Assopra". Andávamos pelo Projac em 2011, nos arredores dos estúdios e nos detivemos por alguns minutos numa conversa informal com uma produtora conhecida de ambos. Ele era um homenzarrão com cara de nordestino, mas com um jeito de menino, característica inerente dos palhaços. Falava manso e me pareceu um homem extremamente comum, para não dizer humilde (não gosto desse atributo dirigido às pessoas públicas – pessoas são pessoas).

Nas minhas participações em Velho Chico não tive contato com Domingos, éramos de núcleos diferentes, mas, na história toda, ele estava muito presente, especialmente porque Camila Pitanga estava em algumas cenas que gravei e ela estava muito integrada a toda a trama! E foi com ela, Camila, que estabeleci minha empatia no episódio real da morte de Domingos. A minha experiência mais próxima com a morte me deu elementos para isso. Quem fica, quem não pode salvar, quem experimenta a sensação é impotência diante da morte, é quem mais se afeta com a morte. E, no entanto, encontra forças pra continuar existindo, para consolar, pra contar dezenas de vezes o acontecido...

Todos passamos, ou havemos de passar por isso, nos dois lados da história; como Camila ou como Domingos. Mas nem todos têm que se submeter ao julgamento e catarse coletivos. Claro que esse episódio real, em particular, tem uma série de componentes que nos instigam a curiosidade e reflexão, pois que se assemelhou à ficção do folhetim das nove, mas o fato é que Domingos morreu e merece respeito. Quem esteve mais próximo, como Camila, que perdeu o amigo de forma traumática merece o nosso respeito.

Pela empatia profunda com o caso, quero pedir que se me for antes de vocês que me leem, por favor não digam que fui porque fiz o que fiz ou porque não fiz o que não fiz. Deixem-me seguir para a paz!

Fiquemos aqui com nossas elucubrações e emoções às voltas com o medo da morte, mas vivamos com a certeza de que ela nos chegará, inevitavelmente, e deixemos seguir em paz o Domingos.

Segue em paz, colega palhaço, ator, pai... que no personagem de Santo, nas águas do rio se consagrou. O rio com o nome de Santo que a tantos já levou, mas também a tantos dá vida!!!


COMENTÁRIOS:

Provoquei a confreira Karla Karenina a comentar o morte trágica de seu colega, artista cênico da TV Globo, Domingos Montagner, e ela o fez brilhantemente nesta bela crônica, a qual reverencio, embora ela vá em sentindo oposto às considerações que eu mesmo faço.

Ela fala como atriz, como mulher, como poetisa, como filósofa aplicada. Falo eu como advogado, que tudo examina pelo viés da culpa e da inocência, e também como militar frustrado, condição em que se considera a obrigação do homem de se preservar vivo, para servir, e até para morrer quando lhe chamar a grande causa.

Karla entra em texto lindamente: “Morremos porque temos um corpo físico. Ponto. Todos precisamos para de vez um dia”. É verdade. De fato, diante da morte alheia, as pessoas se comportam como se morrer fosse excepcional, quando morrer é regra comum. Todos vamos morrer – e nisso eu e a Karla não dissentimos.

Mas a poetisa quer silêncio, quer oração, quer respeito. O velho bruxo não vê na morte a extinção do ser, mas uma baixa física que não importa na remição do espírito. Montagner continua vivo no concerto do universo, e em cada um de nós, seus irmãos em Cristo, que não podermos desprezar a sua memória, a sua experiência, o seu exemplo.

E Karla encerra a fala de forma ainda mais eloquente: “Segue em paz, colega palhaço, ator, pai…” – e eu aqui faço coro com ela, punindo também pela plena paz nos corações.

Reginaldo Vasconcelos





Caro amigo Reginaldo, sou uma grande admiradora sua! Além de me "provocar" a escrever, me provoca lisonja e surpresa com relação a mim mesma! Como é bom ler suas palavras! Sempre tão bem colocadas em consonância com seu pensamento e caráter!!! Que bom tê-lo nessa vida como um dos meus anjos da guarda! Avante, guerreiro do Bem e das palavras!!! Obrigada por partilhar comigo dessa existência tão rica!!!

Karla Karenina





Querida Karla Karenina, ser sua amiga é uma honra, sou solidária com o seu texto, que leva a uma profunda reflexão e uma sabedoria além do entendimento.

Marleide Falcão




Obrigada, querida amiga! Bjs


Karla Karenina





Amiga me uno às suas palavras. Por favor respeito às dores do nosso semelhante. Amor pelo outro acima de tudo... Valeu Karlinha. Orgulho de você e partilho com todos as suas sábias palavras. Beijos querida amiga!


Patrícia Gomes



Obrigada, minha querida! É uma honra pra mim também ser sua amiga!

Karla Karenina 




21.09.2006 - Fortaleza,

Meus cumprimentos e parabéns ao Confrade Reginaldo Vasconcelos e Confreira Karla Karenina pelos conceitos emitidos no episódio do ator global. A sensibilidade de ambos no tratamento do fato, vale o Registro.


Vicente Alencar - Membro Titular da ACLJ



Gostei da simplicidade da escrita sobre algo que ainda não trazemos para a consciência, a morte. Importante e oportuno esse olhar pelo ângulo da Camila Pitanga, empatia total. Nas entrelinhas a profundidade que transcende a realidade, onde provavelmente o olhar do SENTIR deve pousar.

Clivânia Teixeira


     

8 comentários:

  1. Querida Karla Karenina, ser sua amiga é uma honra, sou solidária com o seu texto, que leva a uma profunda reflexão e uma sabedoria além do entendimento.

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    1. Obrigada, minha querida! É uma honra pra mim também ser sua amiga!

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    2. Obrigada, minha querida! É uma honra pra mim também ser sua amiga!

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  2. Caro amigo Reginaldo, sou uma grande admiradora sua! Além de me "provocar" a escrever, me provoca lisonja e surpresa com relação a mim mesma! Como é bom ler suas palavras! Sempre tão bem colocadas em consonância com seu pensamento e caráter!!! Que bom tê-lo nessa vida como um dos meus anjos da guarda! Avante, guerreiro do Bem e das palavras!!! Obrigada por partilhar comigo dessa existência tão rica!!!

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  3. Caro amigo Reginaldo, sou uma grande admiradora sua! Além de me "provocar" a escrever, me provoca lisonja e surpresa com relação a mim mesma! Como é bom ler suas palavras! Sempre tão bem colocadas em consonância com seu pensamento e caráter!!! Que bom tê-lo nessa vida como um dos meus anjos da guarda! Avante, guerreiro do Bem e das palavras!!! Obrigada por partilhar comigo dessa existência tão rica!!!

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  4. Gostei da simplicidade da escrita sobre algo que ainda não trazemos para a consciência, a morte.Importante e oportuno esse olhar pelo ângulo da Camila Pitanga, empatia total. Nas entrelinhas a profundidade que transcende a realidade, onde provavelmente o olhar do SENTIR deve pousar.

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