terça-feira, 20 de setembro de 2016

CRÔNICA - A Morte de Montagner (RV)


A MORTE DE MONTAGNER
A VIDA IMITA A ARTE
Reginaldo Vasconcelos*


A morte do ator Domingos Montagner, no último dia 15 de setembro, em meio à novela de que era um protagonista, afogado no rio que dava título e tema à trama, comoveu toda a Nação.

Até recomendei que a confreira Karla Karenina, que fez parte do elenco da novela, escrevesse um texto sobre esse fato jornalístico, o mais impactante da quinzena que sucedeu ao impeachment da Dilma – já que a cassação do Deputado Eduardo Cunha, neste dia 12, não surpreendeu e nem emocionou ninguém.

Mas, passado o longo funeral que a Rede Globo promoveu para o ator, repetindo e renovando matérias a respeito do infausto em todos os seus telejornais, e em programas especiais, por dias seguidos, resolvi comentar os aspectos mais intrigantes desse evento tão funesto.

A peça teledramatúrgica, que se denomina Velho Chico, marcada por violência e mortes, ódio familiar e traições amorosas, explorando o viés místico que os ribeirinhos atribuem ao Rio São Francisco, terminou por fazer vazar para a vida real dos atores os vícios, mistérios e infortúnios do seu enredo ficcional.

Morreu primeiro quem interpretava o padre, Umberto Magnani, vítima de um AVC, e depois o herói da história, Domingos Montagner, tragado pelo mesmo rio em que, na ficção, já se afogara e fora ressuscitado pelos índios. 

E morreu de fato quando se banhava com o seu par romântico na novela, Camila Pitanga, que não consegue explicar de forma convincente como e por quê tudo ocorreu.

Montagner foi militar do Exército, professor de educação física, artista circense (inclusive trapezista), mas, segundo o relato de Camila, a única testemunha, de repente ele teria ficado imóvel na água, sem bracejar e sem seguir a correnteza, como também sem explicar por que razão não reagia, imune às reiteradas tentativas dela de lhe puxar pelo braço para a segurança dos rochedos, a que ela mesma, tão frágil e delicada, acessava facilmente. Como assim? Será que o atlético ator (que interpretava o personagem “Santos dos Anjos”) fora detido por algum espírito maligno do Velho Chico?

É possível. Pelo menos Camila relata, com frenético misancene, que algo invisível a segurava, enquanto lhe ordenava a não mais tentar salvá-lo. Muito estranho!! Mas, se há essa suspeita de ação demoníaca, fazendo com a que a vida imitasse a arte da forma mais canhestra e mais medonha, o conjuro começa na inspiração infeliz desse malfadado banho de rio, que empresta aos fatos um viés vitimológico.

Há tragédias inevitáveis, sem nenhuma culpa humana, que se debitam ao destino unicamente. A última de que me lembro, no Brasil, foi o acidente aéreo que matou Eduardo Campos, em plena campanha política para a Presidência da República, em 2014. Resta lamentar o infausto e prantear os seus inditosos integrantes.

Contudo, o que me revolta no caso Montagner é a incúria da própria vítima, concorrendo para o desfecho fatal com a sua imprevidência. Heróis da vida real – e ele foi oficial do Exército – não podem se expor a riscos inúteis, gastando adrenalina por diletantismo ou vaidade, porque somente o salvamento de outras vidas justificaria colocar em perigo a sua própria segurança.

Ora, todos sabem que banho de rio é uma das mais perigosas atividades deste mundo, porque a água doce não favorece à flutuação dos corpos, enquanto o comportamento da correnteza, que não raro transporta material semi-submerso, é absolutamente imprevisível e incontrolável.

Quanto mais a jusante de uma represa, com uma usina hidrelétrica funcionando, que tem o mesmo efeito de um dedo reduzindo o fluxo de uma torneira, para potencializar o jato d’água. Triste, lamentável, revoltante, e, definitivamente, muito estranho!



NOTA DO EDITOR:

Foto do perfil de Jordan CamposO terapeuta baiano Jordan Campos publicou no Facebook uma provável explicação clínica para a apatia do ator Domingos Montagner durante o transe que o levou ao afogamento, conforme descrito pela atriz Camila Pitanga. Analisando o depoimento da testemunha, o Dr. Jordan avalia que ele sofreu uma “paralisia traumática”, e por causa disso não conseguia se mover e nem falar de forma fluente.


“(………………………………………...................................................……….....................)

Entender por que o Domingos paralisou não vai nos levar a uma viagem segura. Pode até ser por um conflito de infância com água, ou até algo que aconteceu dentro da barriga da mãe dele, quando ele era um feto que nadava nas águas e tinha um cordão umbilical preso ao pescoço, por exemplo. Muitas possibilidades.

E a notícia ruim é que não podemos evitar a paralisia traumática, porque o comando para ela surgir está cravado em nosso inconsciente, que com a ajuda de nosso cérebro faz as contas do momento. Podemos nos achar os mais fortes e preparados e sermos traídos pela paralisia em momentos graves.

Toda a tragédia pública nos oferece a reflexão e tomadas de novas normas e entendimentos para tentarmos evitar futuras. Meu objetivo como terapeuta é contribuir para um entendimento lógico dentro das nossas limitadas possibilidades de compreensão do todo que nos cerca, sem me ousar a ter certezas absolutas em nada. Luz para a família do Domingos e para a Camila Pitanga”.

Jordan Campos 
Terapeuta Clínico
@jordanzcampos

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