MOLECADA SEM-VERGONHA
Reginaldo Vasconcelos*
Hoje só com meus problemas/
Rezo muito, mas eu não me iludo./
Sempre me dizem quando fico sério:/
"Ele é um homem e entende tudo".../
Rezo muito, mas eu não me iludo./
Sempre me dizem quando fico sério:/
"Ele é um homem e entende tudo".../
Por dentro com a alma atarantada/
Sou uma criança não entendo nada...
Sou uma criança não entendo nada...
(Erasmo Carlos)
Quando menino, imaginava eu que o mundo adulto fosse sério e organizado. “Gente
grande” fazia sempre o que era certo – assim me parecia – raras exceções os
criminosos, que não compunham o meu universo social. Sabia da sua existência de
ouvir dizer, pelo noticiário, ecos de um remoto submundo.
Na adolescência, mais ainda me pareceu que a vida em sociedade fosse
centrada na ordem, na virtude e na justiça, diferentemente daquela bagunça dos
garotos, transgressores e brigões, afeitos a “pescar” as respostas alheias nos
exames escolares, a praticar bulling,
a saltar os muros dos colégios para
matar aulas, e dos quintais, para afanar frutos maduros.
Rapazinho, eu ainda tinha a impressão de que, enfim, ao me tornar adulto,
atingira o campo da retidão e da austeridade. As exigências paternas, os
rigores estudantis, o exame vestibular, os trâmites rígidos para me documentar,
a obrigação de habilitar-me a conduzir veículos, a imposição do serviço
militar.
Também havia disciplina para progredir no esporte, imensa
gravidade nas entrevistas de emprego, dificuldade nos concursos públicos, intransigência
da empresa empregadora no cumprimento de horários e demais normas internas,
submetido a rígida hierarquia. Tudo muito certinho e comportado.
Mas ao travar contato com a política e com o grande capital então descobri
que nessa seara impera o mundo safado e
aético que a infância me ensinara. Todos mentem, os maiores violentam e
seviciam os menores, o dono da bola chantageia e achaca, o parceiro de hoje
pode ser o algoz de amanhã, se vislumbrar vantagem nisso.
Os meninos de hoje não são mais como os que fomos, porque são mais pacatos
e mais bem educados, exceto o “canelau” dos guetos periféricos, molecada indômita
que continua endiabrada. Mas os adultos de todos os tempos e de todos os
lugares são iguais, divididos entre os que cumprem as leis e os que flanam
acima delas.
Os camponeses, os autônomos, os funcionários públicos, os empregados, os
pequenos empresários, os integrantes da academia, que pesquisam, descobrem,
inventam e orientam a produção dos novos confortos pela indústria, cumprem a
sua função social com dignidade.
Todos esses, que são a maioria, habitam uma sociedade reta e praticam uma realidade
jurídica regular: cumprem a lei, trabalham, auferem o seu pró-labore, ou o seu
salário, ou a sua féria, com que pagam tributos e adquirem a casa própria à
prestação, e enfim se aposentam, deixando à prole um exemplo de caráter.
Porém, os políticos que fazem as leis e que administram os institutos, os
que fazem as praças e os hospitais, os que movimentam fortunas, públicas e
privadas, são como proprietários daquele gado humano que eles tangem, alimentam,
confinam e desleitam, e o fazem com a sua ética própria que consiste em não ter
ética.
O que se assiste hoje na política nacional e na grande empresa do país expõe
as vísceras da República, denotando que quem aparece ao comum do povo como os
ícones da honra, paladinos da moral, líderes perfeitos da sociedade, são na
verdade pérfidos charlatães, tão velhacos e cavilosos como os fedelhos do meu
tempo – exploradores dos fracos, ladrões de frutos, mentirosos contumazes.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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