quinta-feira, 5 de março de 2015

CRÔNICA (RV)


MOLECADA SEM-VERGONHA
Reginaldo Vasconcelos*


Hoje só com meus problemas/
Rezo muito, mas eu não me iludo./
Sempre me dizem quando fico sério:/
"Ele é um homem e entende tudo".../

Por dentro com a alma atarantada/
Sou uma criança não entendo nada...
(Erasmo Carlos)


Quando menino, imaginava eu que o mundo adulto fosse sério e organizado. “Gente grande” fazia sempre o que era certo – assim me parecia – raras exceções os criminosos, que não compunham o meu universo social. Sabia da sua existência de ouvir dizer, pelo noticiário, ecos de um remoto submundo.

Na adolescência, mais ainda me pareceu que a vida em sociedade fosse centrada na ordem, na virtude e na justiça, diferentemente daquela bagunça dos garotos, transgressores e brigões, afeitos a “pescar” as respostas alheias nos exames escolares, a praticar bulling,  a saltar os muros dos colégios para matar aulas, e dos quintais, para afanar frutos maduros.

Rapazinho, eu ainda tinha a impressão de que, enfim, ao me tornar adulto, atingira o campo da retidão e da austeridade. As exigências paternas, os rigores estudantis, o exame vestibular, os trâmites rígidos para me documentar, a obrigação de habilitar-me a conduzir veículos, a imposição do serviço militar.

Também havia disciplina para progredir no esporte,   imensa gravidade nas entrevistas de emprego,  dificuldade nos concursos públicos, intransigência da empresa empregadora no cumprimento de horários e demais normas internas, submetido a rígida hierarquia. Tudo muito certinho e comportado.

Mas ao travar contato com a política e com o grande capital então descobri que nessa seara impera o mundo  safado e aético que a infância me ensinara. Todos mentem, os maiores violentam e seviciam os menores, o dono da bola chantageia e achaca, o parceiro de hoje pode ser o algoz de amanhã, se vislumbrar vantagem nisso.

Os meninos de hoje não são mais como os que fomos, porque são mais pacatos e mais bem educados, exceto o “canelau” dos guetos periféricos, molecada indômita que continua endiabrada. Mas os adultos de todos os tempos e de todos os lugares são iguais, divididos entre os que cumprem as leis e os que flanam acima delas.

Os camponeses, os autônomos, os funcionários públicos, os empregados, os pequenos empresários, os integrantes da academia, que pesquisam, descobrem, inventam e orientam a produção dos novos confortos pela indústria, cumprem a sua função social com dignidade.

Todos esses, que são a maioria, habitam uma sociedade reta e praticam uma realidade jurídica regular: cumprem a lei, trabalham, auferem o seu pró-labore, ou o seu salário, ou a sua féria, com que pagam tributos e adquirem a casa própria à prestação, e enfim se aposentam, deixando à prole um exemplo de caráter.

Porém, os políticos que fazem as leis e que administram os institutos, os que fazem as praças e os hospitais, os que movimentam fortunas, públicas e privadas, são como proprietários daquele gado humano que eles tangem, alimentam, confinam e desleitam, e o fazem com a sua ética própria que consiste em não ter ética. 

O que se assiste hoje na política nacional e na grande empresa do país expõe as vísceras da República, denotando que quem aparece ao comum do povo como os ícones da honra, paladinos da moral, líderes perfeitos da sociedade, são na verdade pérfidos charlatães, tão velhacos e cavilosos como os fedelhos do meu tempo – exploradores dos fracos, ladrões de frutos,  mentirosos contumazes.  


 *Reginaldo Vasconcelos
     Advogado e Jornalista
             Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ        

Nenhum comentário:

Postar um comentário