terça-feira, 10 de dezembro de 2019

ARTIGO - Progresso e Retrocesso (RMR)


PROGRESSO
E
RETROCESSO
Rui Martinho Rodrigues*



A linguagem política está impregnada de progresso e retrocesso. Mas a ideia de aperfeiçoamento da humanidade nem sempre existiu. O eterno retorno, concepção segundo a qual tudo se repete, foi acalentada pelos gregos. O determinismo cósmico de Zenão (335 – 264 a.C.) e dos seus seguidores estoicos tem afinidade com o eterno retorno observável no movimento dos corpos celestes.

A astrologia também era baseada nestes movimentos e adotava o determinismo aludido. Até a tradição judaico-cristã chegou a ser vista deste modo, por causa de Eclesiastes 1; 4 – “Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu”. Este excerto, porém, trata da relação do indivíduo com o tempo de sua existência. Não é uma narrativa da trajetória histórica da humanidade como um todo.

A História dotada de começo, meio e fim tem origem na tradição judaico-cristã. Nela encontramos um princípio e um final, com a humanidade decadente. Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.), teólogo cristão, rompeu com a tradição do eterno retorno, embora fosse neoplatônico.

Progresso contém a ideia de passagem de uma etapa inferior para uma superior, com o fim dos tempos. Muitos “progressistas” não aceitam a visão agostiniana de um fim. Nem percebem os vários sentidos de progresso. A concepção de avanço pode referir-se ao aperfeiçoamento do homem pelo desenvolvimento cognitivo, nos termos do positivismo de Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857), que também não é aceito pelos citados “progressistas”. Temos ainda progresso como aprimoramento do homem pelo aperfeiçoamento da sociedade. Este progressismo é largamente aceito nos meios letrados. A maioria dos seus seguidores, porém, não reconhece o determinismo e o reducionismo contidos em tal progresso.

O determinismo social, cultural e econômico do progresso humano a ser obtido por uma reengenharia social, levando a um novo homem, contraditoriamente está prenhe de voluntarismo. É uma reengenharia volitiva, propõe uma evolução ou de revolução pela vontade e pela ação do homem, portanto antropocêntrica e voluntaristas. Jacques Le Goff (1924 – 2014) distingue diferentes progressos. Reconhece o grande avanço da ciência e da técnica; ao lado do aperfeiçoamento das instituições políticas e jurídicas. Não percebe, todavia, que o homem tenha se aperfeiçoado. Ciência e técnica avançam formulando explicações mais satisfatórias, conforme Karl Raymond Popper (1902 – 1994) e toda escola do racionalismo crítico; ou solucionando problemas, nos termos da tradição empirista. Instituições jurídicas e políticas evoluem oferecendo garantias e liberdade aos cidadãos.

E o homem, como evolui? Sérgio Paulo Rouanet (1934 – vivo) propõe um critério para eferição da evolução do homem: Deveríamos conviver melhor com os nossos conflitos íntimos, dispensando a assistência de psicólogos ou o uso de ansiolíticos; conviver melhor com os nossos familiares, vizinhos, patrões, chefes, subordinados, policiais, adversários; e ainda conviver melhor com a natureza. O autor citado não vislumbra evolução no que tange a estes aspectos. O uso da ideia de progresso, todavia, coloca os que a invocam como representantes da marcha evolutiva, colocando-os como superiores, arautos de um futuro superior. Presumem-se esclarecidos. Desclassificam quem pensa diferente como retrógrado e preconceituoso.

Letrados sabem manipular falácias desde os tempos dos sofistas.


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