A BOA ESFINGE
Reginaldo Vasconcelos*

Fortaleza,
anos 90. Eu vinha chegando de carro e ele estava em pé na penumbra da noite,
fumando o seu cachimbo, a mala no chão, o casaco no braço, toalha nos ombros,
no final da subida que dá acesso ao terminal de passageiros, aguardando sozinho
alguém que o viesse apanhar no aeroporto. Certamente se escondia do assédio dos
fãs.
Mas
a pessoa do Belchior não interessava, porque para mim ele não tinha glamour nem
história. Era apenas um senhor latino-americano, tabagista degustativo como eu. Nunca
passou disso. “Não me sigam, porque eu também
estou perdido. Ou façam, ou descubram o próprio caminho” – disse ele, já
artista consagrado, mas ainda pouco resolvido.
Paulo
Limaverde conta que o Belchior saía do Iate Clube na madrugada, com ele e com Wilson
Ibiapina, preocupado em proteger o violão, porque chovia. Tomaram um taxi, e
ali dentro do automóvel nasceram os primeiros trinados da sua cantiga “Paralelas”.
Paulo insiste; Ibiapina não lembra, entre as tantas passagens de sua juventude
com o “Pessoal do Ceará”, do qual fazia parte surdamente.


A
música de Belchior me embalou a juventude, sucedendo ao Taiguara. Evoca amigos
que já seguiram para o Éden; traz de volta, por sinestesia perfumosa, evanescentes
namoradas do passado – e reforça o vínculo eterno com as atuais, que me
acompanham desde lá.
Dá
sentido a memórias preciosas de farras de rum, de penúrias antigas, do primeiro
emprego, do primeiro artigo publicado, da primeira casa de casado, mobiliada
unicamente com tatames. A música de Belchior me dá saudades de mim mesmo – em
paráfrase Guilherme-netiana.
Até
mais, boa esfinge. Muito grato pela obra, que me coloriu a mocidade.
COMENTÁRIO:
Reginaldo, essa citação do Paulo Limaverde, que
você fez na crônica sobre o Belchior, me fez lembrar os anos 60 quando o grupo
de novos artistas cearenses surgia.

Quando o Gonzaga
resolveu retornar ao Rio, o Augusto Borges me fez substituto dele na edição do
telejornal Crasa e entregou ao Belchior o comando do programa musical. Com a competência que Deus lhe deu, caro Reginaldo, sua crônica mostra que
Belchior foi mesmo imenso.
Um de seus projetos
inacabados é um livro que escrevia à mão, em caligrafia gótica. Trata-se da
Divina Comédia, de Dante Alighieri que ele traduziu. Pediu minha ajuda junto à Embaixada Italiana para editá-lo. Como sumiu, não pude
ajudá-lo. No final da vida, Belchior protagonizou uma história de
amor e decadência. Em matéria na revista Época, Marcelo Bortoloti escreveu
sobre a "Divina Tragédia de Belchior".
Belchior trilhou vários caminhos. Assim como Fagner, ele pintava quadros. Como você lembra na crônica,
parecia que nada o contentava, e então partiu para autoexílio, para a anulação. Para
nós, que conhecíamos Belchior de perto, fica a certeza de que ele nunca vai
morrer.
Para seu parceiro
Raimundo Fagner, Belchior está mais vivo do que nunca “pois não faltará quem queira
descobrir sua obra”. Na entrevista que deu ao Fantástico, ele
revelou que queria voltar para sua terra. Não imaginava que seria assim.
Veja abaixo a homenagem que Chico Anysio prestou ao Belchior, no programa do Rolando Boldrin, com o homenageado na plateia.
Wilson Ibiapina
Linda homenagem, caro Reginaldo!
ResponderExcluirMinha imagem do Fagner atual é a mesma que Ednardo fazia, há muito tempo. Um oportunista que ferrou o pessoal do Ceará quando arrumou uma sinecura numa gravadora! Separa os dois. Creio que Belchior não gostaria de ser citado junto com esse canalha.
ResponderExcluirRepresentou
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