terça-feira, 10 de janeiro de 2017

CRÔNICA - O Cone Rex (AM)


O CINE REX
Assis Martins*


Lembro-me até do que não quero, e não me posso esquecer do que quero. (MARCO TÚLIO CICERO).

Os comentários sobre costumes e acontecidos causam em muita gente verdadeira ojeriza, na maioria, gente que tem medo de envelhecer e continua na falaz ilusão de uma permanente juventude. Para esses, um saco essas relembranças, enquanto, para mim, o ato de relembrar e escrever sobre isso age catalisadoramente: as reminiscências me revigoram, pois, como ensina Platão, [ ] a recordação, quando retomada pela consciência, pode ser a eminência da base de toda sabedoria ou do conhecimento.

Para os pósteros, os modos & modas de hoje serão comentados como “saudosismo”. Assim, será comum alguém comentar: - Puxa vida, que tempo bom aquele das selfies (ou dos selfies), dos e-mails, do Facebook e do WhatsApp. Que saudade! Outro retruca: - Que nada, melhor é hoje que já temos o..., o... , o... E enumera as novas “invençanças” em uso. Nessa época, talvez não se distinga mais o que é real ou virtual, de tal modo tênue está ficando a zona limítrofe das duas realidades.

A verdade é que, mesmo transitando com facilidade no universo desses modernos expedientes de comunicação, ainda me amarro em muitas recordações da minha infância. Uma delas é o Cine Rex, em Fortaleza – Ceará.

Pertencente à Empresa Cinematográfica Luiz Severiano Ribeiro, funcionava na rua General Sampaio nº 1263 (do lado do sol) entre as ruas Pedro Pereira e Pedro I, onde anteriormente havia a Serraria Rodolfo.

O ano de 1940 foi pródigo em aparecer várias casas de exibições cinematográficas: no dia 6 de junho, foi inaugurado o Cine Cristo Rei, em 18 de junho, o Cine Odeon, e o Rex, em 10 de agosto, com o filme A Enfermeira Edith Cavell, com Ana Neagle, Edna May Oliver e Mary Robson. As suas portas, no entanto, foram fechadas no dia 13 de setembro de 1941, exibindo na última sessão o filme Os Milhões de Herança. Foi também a extinção da empresa que o havia criado, a Clóvis Janja & Cia. Ltda.

Esse “Cinema” ressurgiu em maio de 1944, com outro dono, fazendo parte do circuito Severiano Ribeiro, e, durante pouco mais de 16 anos (encerrou as atividades em 1960), foi de grande importância no entretenimento de muitos jovens. A nossa geração não dispunha da massa de informações disponível hoje na Internet e tinha que dar mangas largas à fantasia por intermédio dos filmes em preto e branco, da RKO, e das revistas Capitão Marvel, Superman, Mandrake, Gibi, Reis do Faroeste, O Globo Juvenil e tantas mais.

Todos estes meus relatos têm um tom nostálgico e, segundo Mário Quintana, “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente”. O que ficou marcado indelevelmente não foi o “Cinema” em si, bem acanhado com os seus 600 assentos, as instalações físicas ou a localização, porém, o clima que havia na nossa geração, meninos ávidos por aventuras como as vividas pelos heróis dos quadrinhos.  

Era uma movimentação grande que começava cedo nas filas das matinês e vesperais dos domingos. Eu levava algumas revistas usadas (muitos faziam isso) e havia então uma espécie de escambo, quase sempre na base de três revistas usadas por uma nova, ou figurinhas repetidas. (As estampas do sabonete Eucalol tinham muito valor e fizeram sucesso desde 1930 até 1960. O formato era de 6 x 9 cm com um desenho na frente e um texto na outra face. Eram muito procuradas, como as da série Uniformes do Brasil).

Havia também o recurso para conseguir o dinheiro do ingresso: era chegar bem cedo e pegar um espaço no começo da fila, então, era só esperar os meninos mais abastados que chegavam prestes ao começo da sessão e “vender” o lugar. Quase sempre sobravam alguns trocados para comprar os bombons feitos na Fábrica Viriato, que ficava ali pertinho, na Av. Duque de Caxias. Esses bombons eram ruins até dizer chega, mas tinham um gostinho de lucro!

Claro que todo negócio tem seu dia de zebra e assim aconteceu numa vesperal quando a coisa desandou. A troca de revistas falhou, não houve venda de lugar na fila ...; e o pior: o ingresso tinha sido aumentado de oitocentos para mil réis; com o dinheirinho contado, a saída foi irmos, eu e mais dois colegas, numa marcha apressada até o bairro do Otávio Bonfim, onde conseguimos assistir, no Cine Nazaré, à imperdível série do Império Submarino.

Meu grande desejo era completar catorze anos para poder entrar na sessão noturna, onde, na minha imaginação, deveriam ser exibidos mistérios e coisas inomináveis para uma casta privilegiada, principalmente sobre sexo. Aliás, numa sessão da tarde, foi exibido um filme com uma cena onde a mocinha vai tomar banho numa lagoa e, antes de ela tirar a roupa, passava um trem impedindo a visão. Vi o filme três vezes e o trem nunca atrasou!

Esses fatos são bons para serem relembrados, mas, confrontando as gerações, vemos que os meninos de hoje são privilegiados pelo progresso em todas as áreas, pelo desenvolvimento da tecnologia que lhes dá um cabedal muito grande de conhecimento, inserindo-os na realidade desde tenra idade.

Hoje percebo a diferença ao ver crianças brincando nos parques naqueles pula-pulas, e aí fico pensando na minha meninice quando íamos jogar bola na calçada quente do Ginásio 7 de Setembro...


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