sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

ARTIGO - O Que É Pós-Verdade? (JSN)


O QUE É PÓS-VERDADE?
João Soares Neto*


Estou estudando o adjetivo “pós-verdade” (post-truth), considerado pelos Dicionários Oxford, da Universidade de Oxford-Inglaterra, como a palavra do ano de 2016. A expressão pode ter sido criada em 1992 pelo sérvio Steve Tesish, dramaturgo. O que me alerta é o dístico da Oxford ser “Dominus illuminatio mea”, a nos remeter ao Salmo 27.

Agora, ninguém nos ilumina.  Vejamos o que o dicionário Oxford  diz sobre Pós-Verdade: “Um adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm  menos influência em moldar a opinião pública do que o apelo à emoção e as crenças pessoais”.

Desejo historiar – audácia minha – acerca desse fenômeno que se difundiu de forma exponencial em camadas cultas, na área filosófica e na política de grandes jornais.  A aceleração da divulgação da “pós-verdade” decorre das divulgações em todos os modais da Internet (e-mail, whatsaap, facebook, instagram, blog etc) e das mídias convencionais, que se renderam ao uso.

Refleti, e resolvi pedir a amigos doutos que dissertassem sobre o assunto. Esta é a primeira parte. Alguns pedem para não citar o nome. Respeito. Direi algo sobre a formação de cada um:

PhD em História: “Já é tão usado aqui. Ninguém que escreve bem o usa. Mas meu neto adolescente,  ontem ficou assustado se isso seria uma palavra que ele, – já sabe tudo – essa palavra não existe. Nem a sua máquina falante, e nem seus amigos nos EUA a conhecem. Quer dizer, quando você escrever sua coluna sobre essa palavra o uso dela vai revelar para muita gente no Brasil uma novidade. Nós, aqui, na Alemanha, estamos curiosos.
  
O físico e filósofo suíço Eduard Kaeser vê na era “postfaktisch” o perigo de uma ‘democracia de uma sociedade que não quer saber nada/prefere ficar ignorante dos fatos’ – como consequência da avalanche de informações no mundo digital, a diluir padrões essenciais e básicos como a objetividade e a verdade. O estilo de fazer política de Trump muitas vezes é entendido como post-truth.

Romancista: “A filosofia sempre se ateve a discussões sobre o significado da verdade, da justiça, da ética, dentre outros termos de não somenos importância para a condição humana. Em 2016, a pós-verdade ganhou destaque. No mundo moderno agitado e movido pelas redes sociais, a verdade perdeu status, cedendo espaço para a pós-verdade. O que se posta adquire significado de verdade quase absoluta, quase incapaz de ser desmentida ou questionada. Curiosamente, a pós-verdade está aquém da própria verdade, e não além, como o termo supõe”.

Ednilo Soárez, historiador: “A expressão “pos-truth” pode  ser uma consequência do universo que vivemos nas comunicações digitais, nas quais as pessoas não se conformam mais em ser apenas “figuração”. Quase todas aspiram ao papel de protagonistas, daí, querem interpretar os fatos lastreados nas suas emoções, dando-lhes suas interpretações próprias”.

Eduardo Diatahy, PhD Emérito da UFC – Não sei para que inventar um “conceito” novo se estamos em face de fenômeno tão antigo? Em seus processos cognitivos, a humanidade sempre se debateu com a intervenção dos aspectos emocionais, cuja importância de fato é imensa, pois que razão pura só existe na cabeça de Kant ou é como água destilada, que é pura, mas ninguém bebe.

Estou mais ou menos convencido de que esse rótulo de pós-verdade aguarda sua vez na lata de lixo da História, visto fazer parte de muitos outros “pós-” que andam por aí a poluir o ambiente.

Todavia, louvo seu esforço em busca de esclarecimento. Mas não se esqueça da palavra de Max Weber, em sua célebre conferência Wissenschaft als Beruf (1917): «Pois nada que ele não possa fazer com paixão tem valor para o homem enquanto homem».

Este não é o final.  Temos outras reflexões a mostrar. Aguardem.




COMENTÁRIO:

O termo “pós-verdade” é apenas um neologismo que se insere na sinonímia de “mentira”. Não tem o caráter eufêmico de “inverdade”, de “potoca”, de “peta”, de “ficção” – nem a força agressiva de “balela”, “patranha”, “aleivosia”, “falsidade”.

Não há sinônimos exatos. Cada um deles traz em si uma carga conceitual própria para significar e já qualificar de forma diferente uma mesma coisa. “Puta”, “quenga”, “meretriz”, “cortesã” e “prostituta” indicam pessoas de uma mesma atividade, mas conferindo a cada uma distinto “odor psicológico”.  

No caso de “pós-verdade”, parece que o criador da expressão quis denotar e consagrar o prestígio que a comunicação eletrônica globalizada tem conferido às versões criativas, as tais “narrativas”, facilmente difundidas e abonadas, em detrimento dos fatos reais que as originam.

Não saberia eu estabelecer uma graduação exata entre as virtudes e os efeitos nocivos de se estabelecer a “pós-verdade”. Posto que a verdade seja soberana, nem sempre ela convém aos melhores sentimentos e ao melhor  convívio. Ela é sempre muito mitigada no amor e nos negócios, na sociedade e na política.

As vestes de todos, a maquiagem das mulheres, a pintura do concreto, a pele sobre a carcaça, tudo isso é expediente utilitário contra a verdade nua e crua. Ninguém vivencia suas próprias vísceras, que, porquanto sejam absolutamente reais e presumíveis, não são necessarimente presentes à consciência das pessoas, pois somente à grotesca poesia Augusto-anjeliana interessavam.

Aliás, à poesia muito mais interessa a pós-verdade, na sua linguagem conotativa, como de forma metalinguística o reconhecem Fausto e Patrúcio na letra da canção Frenesi. “Fosse paixão, frenesi / Doce ilusão, moça bela”.

Reginaldo Vasconcelos


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Articulista-cronista de primeira linha aufere agora o “blog” da nossa Academia, com o concurso do escritor João Soares Neto.

Magnífico é seu escrito acerca do substantivo Pós-Verdade, lúcido, interessante e oportuno, complementado com os supinos comentários do Dr. Reginaldo Vasconcelos.  Avis cara!

Vianney Mesquita
       

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