domingo, 30 de novembro de 2014

CONTO (RV)

OS DOZE BOIS
Reginaldo Vasconcelos*



O velho fazendeiro ia morrer. Reprodutor “femeeiro” como seus melhores touros, tinha várias filhas, e um varão unicamente. Prostrado, chamou a mulher e a prole na camarinha do sobrado da família para recomendar que, uma vez morto, feita a partilha de seus bens, os doze bois erados da fazenda fossem reservados para que se lhe apurasse o valor, e com esse cabedal lhe fosse custeado o melhor túmulo, que se destacasse no cemitério da cidade.

Morreu, e o filho benjamim, único homem, levou no seu quinhão os doze bois, sob a promessa de que os venderia e com o resultado daria ao pai a campa digna. Nunca cumpriu, e o tempo passou. A mãe morreu também muito depois, e foi enterrada no jazigo modesto em que o marido já repousava eternamente, frustrado na sua manifestação de última vontade, por uma tumba mais pomposa. Suas irmãs casaram, e também floriram o mundo com uma maioria de rebentos femininos.

Por seu turno, herdando a tendência gâmica do pai, o filho  produziu um mar de anáguas, várias filhas zoadentas e valentes. E a seu tempo também ele envelheceu e fez a sua própria viagem para o Éden.

As filhas, de gênio ofídico, mandaram então dizer à tia, primogênita  do avô, a quem tocara a propriedade do dito túmulo da família, que pretendiam nele sepultar o seu pai junto ao pai dele, e que para tanto pretendiam enfim aplicar o valor daqueles doze bois na reforma e na melhoria do sepulcro. O valor de doze bois, em qualquer lugar do mundo e a qualquer tempo, seria suficiente para erguer um mausoléu maravilhoso, com efígies no melhor bronze, sobre mármore de Carrara.

Mas, para tanto, elas impunham a condição de que fossem exumados e removidos da modesta catacumba os restos mortais da negra velha que fora ama seca de sua tia e da segunda geração, de uma outra serviçal nascida ainda na Lei do Ventre Livre, e do factotum da casa, que também servira ao clã por toda à vida, e como as outras duas descera à mesma lousa fria dos patrões. 

Mas, àquela altura, a tia já tinha também as suas filhas, a mais nova delas advogada astuta e preparada, que evoluíra para elevado cargo público. Esta, indignada com a proposta, respondeu às primas que falava baixo e era delicada porque fora bem criada e tinha boa educação, mas que também sabia ser desbocada e violenta, pois lhe corria nas veias o mesmo sangue de cobra que pulsavam.

E que não precisava do dinheiro delas para dar ao avô um túmulo digno, pois às suas expensas o construiria, e nele continuaria inumada a criadagem mais querida. Enfim, que não lhes concederia a oportunidade de redimir o próprio pai. O pai delas iria permanecer com aquela mancha na memória da família, por ter enganado a mãe e as irmãs, e solapado os bíblicos doze bois do patriarca.  

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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