OS DOZE BOIS
Reginaldo Vasconcelos*
O velho fazendeiro ia morrer. Reprodutor “femeeiro” como
seus melhores touros, tinha várias filhas, e um varão unicamente. Prostrado,
chamou a mulher e a prole na camarinha do sobrado da família para recomendar
que, uma vez morto, feita a partilha de seus bens, os doze bois erados da
fazenda fossem reservados para que se lhe apurasse o valor, e com esse cabedal
lhe fosse custeado o melhor túmulo, que se destacasse no cemitério da cidade.
Morreu, e o filho benjamim, único homem, levou no seu quinhão
os doze bois, sob a promessa de que os venderia e com o resultado daria ao pai
a campa digna. Nunca cumpriu, e o tempo passou. A mãe morreu também muito
depois, e foi enterrada no jazigo modesto em que o marido já repousava
eternamente, frustrado na sua manifestação de última vontade, por uma tumba
mais pomposa. Suas irmãs casaram, e também floriram o mundo com uma maioria de
rebentos femininos.
Por seu turno, herdando a tendência gâmica do pai, o filho produziu um mar de anáguas, várias filhas zoadentas
e valentes. E a seu tempo também ele envelheceu e fez a sua própria viagem para
o Éden.
As filhas, de gênio ofídico, mandaram então dizer à tia,
primogênita do avô, a quem tocara a
propriedade do dito túmulo da família, que pretendiam nele sepultar o seu pai
junto ao pai dele, e que para tanto pretendiam enfim aplicar o valor daqueles
doze bois na reforma e na melhoria do sepulcro. O valor de doze bois, em
qualquer lugar do mundo e a qualquer tempo, seria suficiente para erguer um
mausoléu maravilhoso, com efígies no melhor bronze, sobre mármore de Carrara.
Mas, para tanto, elas impunham a condição de que fossem
exumados e removidos da modesta catacumba os restos mortais da negra velha que
fora ama seca de sua tia e da segunda geração, de uma outra serviçal nascida
ainda na Lei do Ventre Livre, e do factotum
da casa, que também servira ao clã por toda à vida, e como as outras duas descera à mesma lousa fria
dos patrões.
Mas, àquela altura, a tia já tinha também as suas filhas, a
mais nova delas advogada astuta e preparada, que evoluíra para elevado cargo
público. Esta, indignada com a proposta, respondeu às primas que falava baixo e
era delicada porque fora bem criada e tinha boa educação, mas que também sabia
ser desbocada e violenta, pois lhe corria nas veias o mesmo sangue de cobra que
pulsavam.
E que não precisava do dinheiro delas para dar ao avô um
túmulo digno, pois às suas expensas o construiria, e nele continuaria inumada a
criadagem mais querida. Enfim, que não lhes concederia a oportunidade de
redimir o próprio pai. O pai delas iria permanecer com aquela mancha na memória
da família, por ter enganado a mãe e as irmãs, e solapado os bíblicos doze bois do patriarca.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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