Projeto do Açude Castanhão
é rememorado no DNOCS
Cássio Borges*
Na última
sexta-feira, dia 31, houve uma reunião no auditório do DNOCS promovida pelo
Grupo de Interesse Ambiental-GIA, na qual um dos palestrantes foi o Analista de
Gestão de Recursos Hídricos da COGERH, Adahil Pereira Sena. Infelizmente, não
pude comparecer a esse evento tendo em vista outros compromissos naquele dia.
Entretanto, por intermédio de companheiros do DNOCS que lá estiveram, soube que
o referido técnico da COGERH teria dito duas coisas que dizem respeito
diretamente aos meus posicionamentos, inalterados até hoje, sobre a Barragem do
Castanhão quando a mesma surgiu no cenário dos recursos hídricos do Estado do
Ceará no ano de 1985:
1) Citando meu
nome, o referido palestrante disse que apenas um técnico havia sido contra a
construção da referida barragem e esse pertencia ao DNOCS; e
2) Que essa
pessoa dizia que a Barragem do Castanhão não encheria nunca.
Quanto à
primeira afirmação, o que tenho a dizer é que os meus questionamentos sobre a
Barragem do Castanhão não foram posicionamentos isolados, mas alicerçados nas
conclusões de um Seminário sobre o Vale do Jaguaribe realizado pelo DNOCS, em
sua sede em Fortaleza, nos dias 6 e 7 de janeiro de 1986, no qual foram
reunidos seus mais credenciados técnicos com o objetivo de apresentar a melhor
solução para o desenvolvimento dos recursos hídricos naquela rica região do
Estado do Ceará.
Durante aquele
evento foi analisada e discutida toda a documentação oficial existente sobre o
Vale do Rio Jaguaribe, acrescido da proposta da Barragem do Castanhão,
apresentada em 1985 pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento - DNOCS,
com sede no Rio de Janeiro. Esta, uma obra isolada, que jamais constou nos
anais do DNOCS e/ou da SUDENE que elaborou, no ano de 1967, um circunstanciado
estudo sobre o Vale do Jaguaribe constante de 12 volumes.
No referido
documento da SUDENE, praticamente referendando todo o planejamento anterior do
DNOCS para o vale do Rio Jaguaribe, não se vê, uma só vez, o nome “Castanhão”,
portanto sendo esta uma, entre muitas outras, deslavradas mentiras difundidas
pelos exaltados defensores daquela obra “que se tratava de uma reivindicação de
80 anos do povo cearense”.
No referido
seminário realizado pelo DNOCS no ano de 1986 foram listadas cinco conclusões
entre as quais a de que “o Açude Castanhão fosse construído “compatibilizado e
integrado o seu aproveitamento com o do Açude Castanheiro (este, no Rio Salgado,
com até 2,0 bilhões de m3) e, assim, diminuir as cheias no Baixo
Jaguaribe”. Que o Castanhão fosse construído com “apenas 1(hum) bilhão de m3,
aproximadamente”, evitando, assim, a inundação da cidade de Jaguaribara”.
Segundo os
técnicos do DNOCS, o Açude Castanhão com aquela capacidade teria condições de
regularizar uma vazão de 12,35 m3/s, valor este muito superior ao reforço que
se pretendia de 5 m3/s para a Região Metropolitana de Fortaleza-RMF, previsto
no EIA-RIMA desse empreendimento. O consumo da RMF era, naquela ocasião, de 6,5
m3/s.
Os técnicos do
DNOCS afirmaram ainda no seu amplo relatório que com a construção do Açude
Castanhão, no terço inferior do Rio Jaguaribe, próximo do litoral, o Rio
Salgado “ficaria sem controle” e as planícies de Icó, com seus férteis solos
irrigáveis, sem possibilidade de aproveitamento, pois ficariam submetidas às
inundações pela cheias do Rio Salgado.
Conclusão:
Enquanto os técnicos cearenses não reconhecerem os erros absurdos e
inadmissíveis de engenharia de recursos hídricos cometidos em relação ao
projeto da Barragem do Castanhão, não será possível corrigi-los e cada vez mais
as novas gerações ficarão induzidas a errar seguidamente. Afinal, já são
decorridos 28 anos de discussão em torno desse empreendimento.
Quanto à segunda
afirmação do mencionado palestrante, geólogo Adahil Pereira Sena, no auditório
do DNOCS de que eu teria dito que a Barragem do Castanhão “nunca encheria”,
peço permissão a esse ilustre técnico da COGERH para dizer que tal heresia
jamais poderia ser dita por mim em respeito aos meus conhecimentos sobre o
semiárido nordestino e à Ciência Hidrológica, cujos diplomas adquiri nas três
Escolas de Engenharia que frequentei: em Recife, na Escola Politécnica, e no
Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Engenharia e a Pontifícia Universidade
Católica-PUC.
O que eu disse
em dezenas de artigos que escrevi sobre a Barragem do Castanhão é que esse
açude “poderá passar de 10 a 20 anos consecutivos sem sangrar” (ver a página
197 do livro que escrevi em 1999, A Face Oculta da Barragem do Castanhão – em
Defesa da Engenharia Nacional).
No trabalho
intitulado “As Enchentes no Vale do Rio Jaguaribe: Dimensões, Frequência e
Alternativas de Controle” que escrevi logo após as excepcionais enchentes
ocorridas no Estado do Ceará em 1985 e publicado em várias revistas técnicas e
associações do Brasil, ressaltei que além daquela cheia de 1985, outras
aconteceram nos anos de 1924 (19,3 bilhões de m3), 1974 (16,8
bilhões de m3), 1985 (20,9 bilhões de m3) e 1989 (9,1
bilhões de m3), todas superiores à capacidade máxima de acumulação
do Açude Castanhão, que é de 6,7 bilhões de m3.
Só esses dados
já seriam suficientes para que o advérbio “nunca” fosse empregado neste caso.
Além dessas excepcionais enchentes citadas no referido trabalho, que também foi
publicado no Boletim Técnico do DNOCS daquele ano, outras de menor intensidade
ocorreram (e não foram citadas no referido trabalho), as quais encontrando a
barragem com significativo volume de água não utilizado no ano anterior, com
certeza, fariam com que ela transbordasse, ou melhor dizendo vertesse. Sobre
este assunto, no Capítulo XXI – CONTROLE DAS ENCHENTES NO BAIXO JAGUARIBE,
página 194, fiz o seguinte comentário final: “Nenhum técnico, mesmo que
iniciante, deverá usar o advérbio “nunca”, pois as leis que regem a natureza e
o próprio ser humano não são estáticas, mas extraordinariamente dinâmicas e
imprevisíveis”.
Ex-Diretor do DNOCS
Membro da ACLJ
Membro da ACLJ
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