TANATOLOGIA – Vida e Morte no Dia a Dia
Vianney Mesquita*
(1 de 3)
Oh, morte, como é amara tua lembrança, como rápida é
tua vinda, como são ocultos os teus caminhos, como é duvidosa tua honra, e como
é universal teu domínio! (Frei Luís de Granada. * Granada, 1505; Lisboa,
1588).
No
momento em que a sociedade literária cearense se encontra pasmada com o
subitâneo passamento do extraordinário escritor Nilto Maciel (30.04.2014), autor de dezenas
de obras de qualidade, ao empregar como grade quase todos os gêneros de
escrita, iniciamos um tríptico de crônicas tendo a morte como objeto.
Este
escritor de punho forte e voz firme, muito presente com muitos livros de subido
valor, deixa imensa saudade em seus leitores e amigos, como nós que, há poucos
dias, escrevemos artigo acerca dele neste Blog (15.04.2014). Em breve, publicaremos algo em maior
profundez a respeito desse ilustre baturiteense, nosso “coserrano” (Palmácia),
sem dúvida, dos escritores mais novos do Ceará, o mais profícuo e prolífico,
com obras maçudas em continente e teor, apreciadas além fronteiras do País,
como detentoras de vários prêmios nacionais.
Aproveitamos a circunstância, na qual temos
em mão – como componentes cearenses da literatura mundial respeitante a este
assunto de debate recente – três ensaios elaborados no âmbito universitário
local, a respeito dos quais procederemos a rápidos comentários, insertando este
motivo, normalmente evitado no Ocidente pelo fato de se fazer incômodo e
molesto.
Por via da tradição, quiçá religiosa cristã
e ao longo dos tempos, eram praticamente defesas na cultura do Ocidente
reflexões atinentes a este tão natural fenômeno do decesso corporal, trânsito
anímico, trespasse, exício da vida, antônimo perfeito do nascimento, verdade
implacável. Morte.
Tema eivado de tanto preconceito, matéria a
que se atribui, ainda, caráter de interdito, hoje o assunto perde, a pouco e
pouco, seu mistério e é concertado, com frequência, em várias ocasiões e
diversos lugares, mormente na ambiência universitária, onde se examinam com
profundidade a origem, produção, conservação, repasse e progresso do
conhecimento na sua mais extensiva amplitude temática.
O argumento do ocaso vital, evento imprescritível
para aquele que viu aparecer a luz, mostra inexoravelmente sua extinção, cedo
ou tarde, normalmente ou de inopino, por caducidade natural ou morbidade, ao
nos fazer divisar, entre o ser extinto e o vivo, a mesma diferença entre a
matéria bruta e a substância ativa.
Diversamente dos fatos ocorrentes nos
organismos unicelulares, nos quais não há, necessariamente, fatalidade, a morte
dos seres complexos é consequência inevitável da maquinaria anímica, a qual,
ajuntando nos tecidos produtos acessórios, lentamente destrói a energia dos
aparelhos até a supressão total.
A fim de conduzir esta reflexão ao patamar
da naturalidade dos tratos mais ordinários – como os relativos à vida e à
ciência – a sociedade inteligente descortinou uma teoria ordenada no tocante à
morte, suas causas e eventos, especialmente o estudo dos mecanismos
psicológicos empregados para superar os efeitos do fenômeno nas mentes, de quem
prossegue ou se encontra na iminência de finar-se.
Amparadas nas conjecturas da Tanatologia,
sub-ramo científico da Psicologia, as equipes de saúde desenvolvem,
diuturnamente, em nosocômios de todo o Mundo, esse custoso ofício/arte de
conceder refrigério transpondo o corpo doente, prestes a consumir-se, e também
dedicando auxílio e conforto às almas atormentadas pela proximidade do próprio
fim ou martirizadas com a imediação do termo existencial de uma pessoa dileta.
VIDA E MORTE NO COTIDIANO
Convergindo à regular quantidade de
trabalhos literoacadêmicos referentes a este moto de ascensa relevância, no
Brasil, e de indescartável aplicação prática, mormente nos hospitais, os
professores Annatália Gomes e Erasmo Ruiz escreveram este livro oportuníssimo, no
qual reflexionam, com esmerado preparo e zelo, sobre a relação correta a ser
estabelecida entre os profissionais de saúde e os doentes de quem cuidam
holisticamente, em especial os enfermos de moléstias em quadro terminal, numa
demonstração cabal dos aprestos intelectuais e do desvelo humanitário de ambos,
ora ao bom serviço dos seus pares.
Vida e Morte no Cotidiano – reflexões com o profissional de saúde constitui
aditamento valioso à literatura nacional do gênero, razão por que há de ser
adotado nos diversos programas universitários de graduação, mestrado e
doutorado, onde se estuda a analogia vida-morte, bem assim na formação em
serviço do pessoal dos hospitais e congêneres.
Seus consulentes terão neste volume o
romaneio correto e seguro para o desempenho de suas nobilitantes ações de
intermediação paciente/doença grave, extensivamente aos seus componentes
familiares, cujo padecimento à beira do leito pode ser sensivelmente mitigado
com a recepção das ideias aqui veiculadas, magnificamente expressas.
TANATOLOGIA – Vida e Morte do Dia a Dia
Vianney Mesquita*
(2 de 3)
Da morte a
férrea lei não se derroga;
Nas páginas
fatais é tudo eterno!
O que se
escreve ali jamais se risca
(Manuel Maria Barbosa Du BOCAGE. *Setubal,
1765-+1805).
O DRAMA DO PACIENTE TERMINAL
A literatura, recorrentes vezes, recomenda-nos
certas cautelas para que, ante a excessiva especialização dos conhecimentos,
não percamos de vista as grandes conexões da ciência.
De tal sorte, a interdisciplinaridade é
praticada sempre mais pelos compositores do saber novo, o que significa o
aporte dos melhores resultados, devolvendo às ideias parcialmente unificadas
pela ciência o caráter de horizontalidade.
O ideário científico, de efeito, sejam
quais forem as vertentes e taxinomias, opera constantemente sob relações. A
consorciação de saberes é natural no decurso investigativo em demanda à certeza
relativa.
De tal maneira, compreensões aliadas são,
muita vez, necessárias para realização de novéis sub-ramos da indústria humana,
como ocorre, verbi gratia, com
Bioestatística, Fisico-Química, Sociologia Jurídica, Economia Política,
Jusfilosofia, Biônica e tantas outras comunhões de interesses metodológicos a
servirem às causas epistemológicas.
Na linha raciocinativa deste ensaio de
apreciável força de pesquisa, da autoria da Professora Doutora Preciliana
Barreto de Morais, ela se favoreceu da Ciência de Augusto Comte, bem como de
saberes correlatos, para interpretar, ao lume da dita Sociologia, situações
extremas de clientes portadores de males terminais, sob os cuidados das equipes
multiprofissionais, nos leitos e, na crescente falta destes, até em macas e
cadeiras, no desconforto final da vida no interior e umbrais das casas de saúde.
Pungente e contagiante é a dor de quem
guarda a certeza de que se vai dentro em pouco. Preocupantes as dúvidas e
impasses daqueles a quem se cometeu a tarefa de cuidar dos pacientes acometidos
de moléstias, a maioria das quais a Medicina ainda não controlou, como certas
síndromes e alguns cânceres.
Há, decerto, falhas de comunicação das
equipes, particularmente em virtude de formações defeituosas. “Os livros
somente ensinam sobre o comportamento do tumor” – queixa-se um sextanista, que
remata: “E a conduta psicológica do doente?”
Faltam, na escolaridade e prática funcional
de psicólogos, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e outros agentes do
cuidado, informações relevantes de natureza interdisciplinar, quando não para a
reabilitação impossível, pelo menos na direção de abreviar o transe ou diferir
a vida por algum tempo.
Evidentemente, enquanto perdurar esta
situação – configurada no fim da existência dos pacientes, vacilações e
embaraços das equipes multifuncionais, sujeitos da pesquisa da Autora – esses
clientes vão prosperar como atores na ribalta da tragédia.
O livro de Preciliana de Morais – atual
docente da Universidade Estadual do Ceará – constitui libelo responsável e
claro ao sistema educacional e de atenção à saúde no País, sendo, por este
pretexto, fonte de fé para alicerçar investigações similares e embasar novas e
urgentes políticas públicas para o setor.
TANATOLOGIA – Vida e Morte do Dia a Dia
Vianney Mesquita*
(3 de 3)
“... Por
isso, oh Morte! Eu amo-te e não temo./ Por isso, oh Morte, eu quero-te
comigo./Leva-me à região da paz horrenda!/Leva-me ao Nada, leva-me contigo!”
(Luiz José
de JUNQUEIRA FREIRE. *Salvador, 31.12.1832; +24.6.1855).
PACIENTE MUITO ESPECIAL
Resulta deveras compensador o fato de se
exercitar constantemente a observação, para dar asas ao talento criador.
Das atividades seculares do espírito, a que
mais enleia parece ser a boa leitura, que possibilita a produção de um escrito
escorreito, de uma alocução bem concatenada, porquanto vazada em códigos
precisos e significações perfeitamente arrazoadas.
Somente a prática dial do exame atento
sobre as coisas, bem como o adjutório da ação de ler – sem o que a observação
fica limitada – são suficientes para se estabelecer uma mensagem límpida, sem
vieses nem ruídos, decomponível com a máxima lucidez por quem a recebe.
Obviamente, há estruturas textuais bem mais
leves e fáceis, acessíveis a maior quantidade de pessoas, nomeadamente os
esquemas verbais constituídos com suporte na opinião comum. Até aqui, a langue e a parole saussureanas correm
mais livres, lineadas somente pelas muitas regras da Língua de escrita usada
pelo Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues.
A situação começa a complicar, porém,
quando se joga com a certeza relativa do fato científico, não raro se
misturando - em sua manifestação oral ou grafada - com as elucubrações
espirituais, a fim de dar conformação ao estilo. Mais complexo, ainda, se
configura o texto (ou a fala), se a manifestação da verdade científica disser
respeito às relações Homem/Natureza. O embaraço se proporciona,
consideravelmente, se este Ser for criança, e caso a criança seja doente, e
essa moléstia tenha gravidade, dolorosíssima, fatal, óbito iminente ...
O Mundo e a História, entretanto, estão
cheios de artistas que receberam o dom evangélico e o sopro paráclito da
escrita, com incidência menor da dificuldade de estruturação. Eis que, neste
livro, dá-se o caso de uma socióloga, com a função principal de pequena
empresária, que achou de estudar a freguesia de instituição especial – a Casa
do Menino Jesus, em Fortaleza – cujos clientes se acham em várias fases de C.A.
Rossana Guabiraba discorre sobre o
meritório trajeto de acompanhamento dos pequenos enfermos, em texto deveras
comovente, haja vista as condições dos sujeitos em relação na sua pesquisa de
cunho acadêmico. Entre outras recomendações de ordem humana e humanitária, a
Autora indica encarecidamente aos leitores a necessidade de se procurar
conhecer os estertores e consequências da morte, a fim de que o transe do
cliente e dos circunstantes seja abrandado com o aceite da realidade, abraçando
a resignação ante um sucesso irrecorrente.
Nesse poema de amor amplo e celeste – lembrando o simbolismo poético de Alphonsus de
Guimaraens – Rossana alcançou a composição de um escrito claro e correto, de
leitura cristalina, no qual impôs o vigor de pesquisadora, estruturando-o
teoricamente com especialistas acreditados perante a comunidade investigadora
de temas afins, com a vantagem de haver evitado compromisso com as
desproporções da tanatologia esotérica, não científica, a qual transita solta
entre os desavisados.
O escrito de Rossana Guabiraba, embora
tenha o continente rápido como o decurso da doença referida, pontilhada de
tanta amargura, possui conteúdo de grande alcance, pelo que deve ser lido e
debatido, podendo até servir de norte a outros estudiosos que intentem revolver
o tema sob ângulos mais diversificados.
Docente da UFC
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa
Escritor e Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário