Vianney Mesquita*
Apenas o influxo da arte comunica durabilidade à escrita humana, só ele
marmoriza o papel e transforma a pena em escopro. (RUI Caetano BARBOSA de
Oliveira).
Parece-nos fenecer alegação lógica àqueles que inadmitem o emprego facultativo do plural em certos substantivos, quando expressos de par com as unidades vocabulares nosso, vosso e outros possessivos, em suas naturais e corretas variações desinenciais.
Em
sua maioria, os nomes são passíveis de comportar modificações flexionais,
mormente em relação a número – flexão nominal ou verbal indicativa da
existência de um ou mais.
Sucede,
entretanto – e não raro – que a aplicação indiscriminada, na dependência da conformação
fraseológica, do plural ou do singular, pode afear o torneio e, dessarte,
comprometer o escrito, muito especialmente sendo o caso de tecedura literária.
A
Língua de Paulo Maria de Aragão conserva em guarda extremos recursos, tanto no
que concerne à sua impressionante polissemia, como no pertinente às incontáveis
maneiras de estruturar a mensagem. É uma como linguagem musical, cuja
combinação das notas, dissonantes e outros aprestes da codificação desta Arte
reverterá na gradação do belo, variando até o feio.
Há
tantos recursos, que existem tantos homens e igual quantidade de estilos,
rememorando a célebre asserção leclercana, a que recorremos há alguns dias aqui
neste espaço, para falar de elocução literocientífica (Modismos e Bobices do Discurso Verbal), quando Leclerc, Conde de
Buffon, lobriga o estilo de acordo com a personalidade do estilista.
Achou-se
por bem, exempli gratia, traduzir no
plural o Padre Nosso dos católicos
“... perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores” (dívidas,
hoje, traduzidas em “ofensas”), com o pronome possessivo e o substantivo
pluralizados. Bem que podiam ser, também, cunhadas as expressões a nossa
dívida, a de todos, o débito global, o passivo da Humanidade com relação à
falta geral (o pecado) ou às faltas gerais (os pecados).
Já
com o substantivo dolo (ô), na
primeira e mais relevante acepção em Língua Portuguesa (“astúcia ou artifício
empregado para enganar e prejudicar alguém; má-fé, fraude ou traição...”-
conforme o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa-Aulete – 2. Ed. brasileira), quiçá resulte desaconselhável o
emprego grafando dolos ou nossos dolos, exatamente pela sensaboria
do estilo, conquanto gramaticalmente corretas ambas as locuções.
Para
crime, que assume dolo e culpa, ex positis,
pensamos ser indiferente o uso, no singular, como no plural, quando das
generalizações, em nosso crime ou nossos crimes. “Nosso crime foi
responsável pela Crucifixão”, ou seja, a iniquidade humana levou Cristo à morte
de cruz; ou em: “nossos crimes levaram
Jesus Cristo à morte de cruz”, no plural, sem deslustrar e tampouco enriquecer
a sentença.
Com
a dicção culpa, nas variegadas
intenções que conota (“violação ou inobservância de uma regra de conduta, que
produz lesão do direito alheio”; ou “falta voluntária de diligência ou
negligência, ato de imprudência ou imperícia, sem propósito de lesar, mas de
que resultou a outrem dano ou ofensa de
seus direitos [...] pecado, delito, responsabilidade,
causa de um mal etc – Aurélio), podem ser torneadas frases, em ambos os
números, como na acepção do vocábulo responsabilidade,
verbi gratia: “O Brasil constitui nação do Terceiro Mundo, Estado
periférico, por culpa nossa” (responsabilidade nossa).
A
expressão pode ser levada, permutatis,
permutandis, para o plural, inclusive para adorno do estilo, quando menos
para a fuga do trivial, como assim: “nossas culpas nos responsabilizam pelo
atual status quo no País”, ou “Por
culpas nossas, o Brasil encontra-se perto do caos”; “de quem é a culpa?” “ De
quem são as culpas?”.
Sem
nos arvorar de douto na temática, modestamente entendemos que pluralizar ou
permitir a permanência no singular, nos casos dos quais nos ocupamos, é tão-só
uma questão de aprimoramento do estilo, porquanto em um número como no outro, a
língua de Estêvão Cruz e do nosso conterrâneo e patrono na ACLJ José Rebouças
Macambira perfaz-se devidamente respeitada.
*Vianney Mesquita
Docente da UFC
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa
Escritor e Jornalista.
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