A PICARETA DO PREFEITO
Reginaldo Vasconcelos*
A Prefeitura de Fortaleza quer arrancar a Praça Portugal,
que fica no centro de uma rotatória, na velha Aldeota, bairro nobre de Fortaleza, no seu quadrante denominado hoje de "Meireles".
A ideia é fazer um cruzamento, prometendo construir logradouros menores nos quadro
cantos do quadrado. Dizem os técnicos municipais que isso teria o condão de
melhorar muito a "mobilidade urbana" por ali. O Ministério Público Estadual e a oposição ao Prefeito na
Câmara estão tentando tombar o logradouro no Patrimônio Histórico do Município, para evitar
a intervenção.
Na minha análise leiga, talvez o cruzamento
pudesse mesmo dar mais fluência ao tráfico de veículos – mas talvez não, porque, pessoalmente,
nunca vi o contorno daquela praça como estorvo à minha própria passagem de automóvel. Sempre arrodeio a rotatória da Praça sem nenhum problema, de forma negociada, com um
pouco de paciência, como ocorre nas muitas estruturas semelhantes de Paris, por
exemplo. Já o semáforo a gente sabe que vai demorar a abrir, e este, sim, terá
potenciar de congestionar as vias transversais.
Por exemplo, uma ambulância em missão de emergência que
chegue à Praça Portugal, a qualquer hora do dia ou da noite, consegue passar sem grande perda de tempo, e nenhum risco. Com os sinais já será
diferente. Ela terá que furar uma fila grande, na hora do rush, à custa de sirene, e
cortar um perigosíssimo sinal vermelho, a qualquer hora.
Mas ainda que se admita ser o semáforo uma boa solução para
a fluência do tráfego, ainda se pode fazer uma restrição a esse projeto: o
recorrente desrespeito à memória da cidade, tendo em vista que o logradouro foi
construído por um prefeito do passado, homenageando personalidades beneméritas
de então, de modo que as razões de sua demolição careceriam de um argumento de
relevante importância social – e não somente uma duvidosa conveniência tópica.
Mutatis mutandis, certamente o Coliseu de Roma
atrapalha a engenharia de trânsito de cidade – e nem por isso se podia pensar
em demoli-lo. Vale sofrer um pouco com ele, optando por soluções paliativas. Melhorar o transporte público, construir ciclovias, estimular os ciclomotores – enfim, reduzir os automóveis em circulação, seria a solução mais proativa, mais anabólica, em vez do catabolismo destrutivo.
Entrevejo sempre nesse tipo de iniciativa, que prioriza demolições, aquela sanha malsã dos
administradores públicos brasileiros, que não sossegam enquanto não apagam a
passagem dos seus antecessores, como o leão que antes de cruzar com as leoas
que encontra mata os filhotes dos parceiros delas anteriores.
Pode-se também imaginar que a Prefeitura esteja apenas recorrendo à
solução mais fácil, por puro comodismo técnico, desprezando os prejuízos culturais decorrentes da destruição paulatina de memória da cidade, que vai
ficando sem personalidade.
Tudo isso evitando a malícia de considerarmos que possa
estar ocorrendo o obreirismo desvairado de alguns administradores, com vistas a
beneficiar as empreiteiras que lhes financiam as campanhas políticas.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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