domingo, 25 de maio de 2014

ARTIGO (RV)

A PICARETA DO PREFEITO
Reginaldo Vasconcelos*

"O que não é preciso fazer, é preciso não fazer".   Públio Siro (85 a.C. - 43 a.C.)

A Prefeitura de Fortaleza quer arrancar a Praça Portugal, que fica no centro de uma rotatória, na velha Aldeota, bairro nobre de Fortaleza, no seu quadrante denominado hoje de "Meireles". 

A ideia é fazer um cruzamento, prometendo construir logradouros menores nos quadro cantos do quadrado. Dizem os técnicos municipais que isso teria o condão de melhorar muito a "mobilidade urbana" por ali. O Ministério Público Estadual e a oposição ao Prefeito na Câmara estão tentando tombar o logradouro no Patrimônio Histórico do Município, para evitar a intervenção. 

Na minha análise leiga, talvez o cruzamento pudesse mesmo dar mais fluência ao tráfico de veículos – mas talvez não, porque, pessoalmente, nunca vi o contorno daquela praça como estorvo à minha própria passagem de automóvel. Sempre arrodeio a rotatória da Praça sem nenhum problema, de forma negociada, com um pouco de paciência, como ocorre nas muitas estruturas semelhantes de Paris, por exemplo. Já o semáforo a gente sabe que vai demorar a abrir, e este, sim, terá potenciar de congestionar as vias transversais.

Por exemplo, uma ambulância em missão de emergência que chegue à Praça Portugal, a qualquer hora do dia ou da noite, consegue passar sem grande perda de tempo, e nenhum risco. Com os sinais já será diferente. Ela terá que furar uma fila grande, na hora do rush, à custa de sirene, e cortar um perigosíssimo sinal vermelho, a qualquer hora.  

Mas ainda que se admita ser o semáforo uma boa solução para a fluência do tráfego, ainda se pode fazer uma restrição a esse projeto: o recorrente desrespeito à memória da cidade, tendo em vista que o logradouro foi construído por um prefeito do passado, homenageando personalidades beneméritas de então, de modo que as razões de sua demolição careceriam de um argumento de relevante importância social – e não somente uma duvidosa conveniência tópica. 

Mutatis mutandis, certamente o Coliseu de Roma atrapalha a engenharia de trânsito de cidade – e nem por isso se podia pensar em demoli-lo. Vale sofrer um pouco com ele, optando por soluções paliativas. Melhorar o transporte público, construir ciclovias, estimular os ciclomotores  – enfim,  reduzir os automóveis em circulação, seria a solução mais proativa, mais anabólica, em vez do catabolismo destrutivo. 

Entrevejo sempre nesse tipo de iniciativa, que prioriza demolições, aquela sanha malsã dos administradores públicos brasileiros, que não sossegam enquanto não apagam a passagem dos seus antecessores, como o leão que antes de cruzar com as leoas que encontra mata os filhotes dos parceiros delas anteriores.

Pode-se também imaginar que a Prefeitura esteja apenas recorrendo à solução mais fácil, por puro comodismo técnico, desprezando os prejuízos culturais decorrentes da destruição paulatina de memória da cidade, que vai ficando sem personalidade. 

Tudo isso evitando a malícia de considerarmos que possa estar ocorrendo o obreirismo desvairado de alguns administradores, com vistas a beneficiar as empreiteiras que lhes financiam as campanhas políticas. 

 *Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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