domingo, 18 de maio de 2014

ARTIGO (RV)

COLHENDO O QUE PLANTAM
*Reginaldo Vasconcelos


Estabeleceu-se uma grande polêmica jurídica no país, com forte interferência política, em torno da decisão judicial que nega trabalho externo ao condenado José Dirceu, e prisão domiciliar a seu comparsa, José Genuíno.

O Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal, relator do processo do “Mensalão”, resolveu aplicar a literalidade do art. 37 da Lei das Execuções Penais, que diz o seguinte, exatamente: “A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena”.

O parágrafo único do mesmo artigo ainda arremata: “Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo”.

Como se percebe claramente, essa prescrição legal estipula um requisito objetivo – o cumprimento de um sexto da pena cominada, e diversos critérios subjetivos, que vão desde a mera autorização da direção do presídio, até a aferição da aptidão, da disciplina e da responsabilidade do preso.

Assim, com base na letra da lei, tudo pode ser arguido para denegar a pretensão de um preso ao benefício do trabalho externo, que cumpra qualquer regime de prisão. Um mero diretor de presídio pode obstar esse pleito, até porque disciplina, responsabilidade e aptidão só podem ser aferidos por critério muito pessoal.

Isso faz intuir que o trabalho externo do preso não é um direito certo, mas um privilégio eventual de quem desfrute do beneplácito dos responsáveis pela execução da pena, do carcereiro ao magistrado. Não há como se interpretar de outra maneira.

É verdade que, até para reduzir a densidade prisional, os juízes das varas especializadas têm considerado que a exigência do cumprimento de um sexto da pena (que autoriza a progressão do regime fechado para o regime semiaberto), requisito já cumprido pelos que vieram do regime fechado, já esteja superada para os que sejam condenados apenas a cumprir a punição mais branda. Mas isso não vincula os juízes que tenham outro entendimento.

Esclarecendo: Se alguém é condenado ao regime fechado, com um sexto da pena ele progride para o semiaberto, e então, obviamente, logo que progrida, terá direito ao trabalho externo, imediatamente. Vejamos o que diz o art. 112 da mesma Lei das Execuções Penas:

A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.

Acontece que o réu pode ter sido condenado ao regime semiaberto, como é o caso de José Dirceu, de modo que, realmente, ele precisaria cumprir pelo menos um sexto da pena, para ter o direito de trabalhar fora da prisão. Claro, pois ele não progrediu do regime fechado, de modo que não supriu essa condição temporária da lei para a obtenção do benefício.


Todavia esse raciocínio é pessoal, e mais pessoal ainda é a definição da aptidão, da disciplina e da responsabilidade do preso, feita pelo juiz a quem cabe conceder o benefício. Se um preso comum, por exemplo, faz ameaças visuais ao juiz, ao promotor ou a suas vítimas, durante o julgamento, encarando-os fixamente (o que é comum acontecer), isso pode ser o bastante para que os seus coatores legais não vejam com bons olhos os seus pleitos posteriores.

É o momento de lembrar que os presos do mensalão contestam publicamente a lisura do julgamento, por si e por seus partidários; fizeram gestos de rebeldia ao serem presos, por si e por seus partidários; e recebem ofertas de emprego de entes privados sabidamente alinhados com o partido político a que serviram – e que, por seu turno, continua lhes sendo solidário.

Diante disso, claro que a interpretação bonançosa da lei poderia parecer capitulação do STF às pressões institucionais. Mas essa capitulação acabará acontecendo, no julgamento de um recurso ao Plenário do STF, hoje integrado por ex-advogados simpatizantes do partido.  


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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