terça-feira, 3 de novembro de 2020

ARTIGO - Brasil – Estados Unidos, Uma Reinterpretação (LA)

 BRASIL – ESTADOS UNIDOS
UMA REINTERPRETAÇÃO
Luciara Aragão*

 

Reescrever a História não é uma tarefa fácil, mesmo quando se acrescentam novos ingredientes a temas conhecidos. As comparações entre o desenvolvimento dos Estados Unidos e o Brasil são assunto comum e a maioria de nós prefere as interpretações mais simplistas.

Ora, reescrever, reinterpretar, envolve elementos como tradição, memória, símbolos, alegorias, e mitos.  Assim, tanto os personagens históricos como os fatos, são sempre reinterpretados pelos próprios historiadores “para tornar possível a coexistência de contrastes e a reunião dos elementos díspares” (Carvalho, Murilo, in Bethell: BRASIL: Fardo do Passado, Promessa do Futuro, p. 48). 

Duas vertentes são sempre invocadas como explicação para as diferenças, tais como, as percepções sob a ótica econômica ou a invocação da origem étnico-cultural dos colonizadores, o que não responde às indagações. Os projetos coloniais de então, guardam semelhanças entre si, independentemente de suas origens inglesa, hispânica ou portuguesa.


Para melhor refletir, temos estudos sérios como os de Viana Moog e Oliveira Lima, que estabeleceram o perfil de valores do imaginário coletivo ligado ao florescer da formação de uma ética específica na fixação do destino nacional, e mesmo a de Dario André Sensi, que trata do avanço para o Oeste no Brasil e nos Estados Unidos. 

Outra concepção de valor inestimável advém da historiadora internacionalista Melissa Melo e Souza (Brasil e Estados Unidos: Nação imaginada, Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão 2018), estabelecendo a relação entre uma ética  própria e o imaginário coletivo na formação dos rumos do Estado e do destino nacional. De outros estudiosos do tema pode-se dizer que o clássico historiador brasileiro, leitura indispensável nos cursos de Historiografia Brasileira, Oliveira Viana escreveu e pronunciou conferencias sobre o assunto na Stanford University e na Sorbonne. 

Os estudos de Robert Wegner sobre as nossas fronteiras bem demonstram a diferenciação dos estudos de Turner, com a tese weberiana e a singularidade da cultura brasileira. (Os Estados Unidos e Fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda, org. de Souza, Jessé. Brasília, 1999). 

Frederick Jackson Turner, um exemplo de renovação do historiador americano, trata o tema do movimento das fronteiras nos Estados Unidos e da expansão norte-americana de uma forma quase mítica, pela percepção da alma americana que forma o caráter nacional. Uma concepção de fronteira, além da geográfica, sem limites de espaço de domínio. 

Modos distintos de ver e encarar a vida, um Destino Manifesto separando o primitivo puritano do enfrentamento dialético dos desafios na criação de valores estimulantes e destinados a vencer o wilderness, palavra que significava a região das “bestas feras” entre os habitantes do Norte europeu, em confronto com a civilização.  

Para o norte-americano comum, o Destino Manifesto do editor John O’Sullivan, em 1845, estimulou a crença na missão dada ao País para liderar o mundo na transição para a democracia e “estender nosso território sobre o continente que nos foi atribuído pela providencia para o maior bem-estar dos milhares de pessoas que se juntam a nós todos os anos” (Annexation, The United States Magazine and democratic Rewie, Vol 17 N Y: 1845 5-6), ignorando-se por completo as petições e os protestos indígenas, as grandes vítimas da expansão para o Oeste. 

O Destino Manifesto foi também moldado por imigrantes e seus descendentes, pois com o eclodir das guerras napoleônicas a imigração em massa durou cerca de um século – entre 1820-1850, mais de 10 milhões de imigrantes – entre Irlandeses, escandinavos, alemães, tornaram-se americanos, o que era então muito fácil. Crianças nascidas em solo norte-americano e algumas formalidades, cerca de cinco anos de espera já os transformava em cidadãos do País. 

Já em 1840 iniciou-se a travessia das Montanhas Rochosas para instalação rumo ao Pacífico, mas epidemias e ataques indígenas, impediram a muitos de chegar ao Far West. O Oeste era o “Eldorado” com a exploração do ouro e as perspectivas de adquirir terras a baixo custo, principalmente após o Homestead Act (1862), quando se concedia gratuitamente uma área de 160 acres aos que desejassem cultivá-las. 

As fronteiras norte-americanas foram múltiplas com rotas e apelos ao imaginário, reforçando o conjunto das experiências compartilhadas, momentos históricos vividos em comum, formando uma identidade diversa dos nossos moldes. Avançar em rotas diversificadas sob o impulso de diferentes motivações como as trilhas do gado e as do mercado do gado; a rota de exploradores e a dos colonos; a dos mercadores e a de entrepostos de peles; a dos fazendeiros, e as rotas das missões religiosas católicas e protestantes. Cada uma delas no seu ritmo próprio e todas elas traziam consigo o fermento do desenvolvimento como o dos meios de transporte e a criação de companhias para proteção aos correios, que se tonaria obsoleto com a criação do telégrafo. Duas décadas depois do primeiro trem transcontinental (1890), já não existiam terras virgens ao Oeste. 

A ideia do frontierman não contemplou os negros e a composição étnica de Turner é norte-europeia, mas ela é permanente. A ênfase no valor das conquistas e ideais do povo norte-americano ultrapassa o tempo, norteou as anexações territoriais como a do Texas e está viva no ideário americano como na conquista do espaço e do domínio tecnológico. 

Como quer o embaixador Baena Soares, prefaciando o livro de Melissa, o sentimento de identidade e nacionalidade representa “o elemento psicossocial que sustenta o todo”, absorve os ingredientes morais e psicológicos que formam a união coletiva, a despeito de todas as separações e diferenças individuais.


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