sábado, 25 de julho de 2020

ARTIGO - Quem Governa (RMR)


QUEM GOVERNA
Rui Martinho Rodrigues*


Quem nos governa? Antônio Delfim Neto disse que ministro faz discurso, mas o poder é exercido do terceiro escalão para baixo. Examinando material de um treinamento de pessoal de órgão público, vi que o conteúdo era contrário ao pensamento do titular da casa, que sem tempo ou interesse, não examinou o dito material, não foi alertado e não percebeu o que os assessores estavam fazendo.



Mais de cinco mil cargos de confiança, no serviço público federal, só em Brasília, ainda estão ocupados por pessoas de partidos de oposição. Alguns dizem que é aparelhamento remanescente de governos anteriores. Esta prática se caracteriza pelo preenchimento de vagas com favorecimento partidário ou ideológico e estímulo ou a preparação de candidatos com o objetivo de exercer influência na instituição. Além do serviço público, as empresas de comunicação seriam alvo de um esforço nesse sentido. Um professor de Física me confidenciou que desde menino foi designado para “infiltrar” uma certa organização, não tendo conseguido por um problema pessoal.

Partidos de convicção preocupam-se em infiltrar setores estratégicos, desde antes da divulgação do pensamento de Antonio Gramsci (1891 – 1937) no Brasil, principalmente pela obra “Os intelectuais e a organização da cultura”, na qual a proposta revolucionária se desloca da tomada do governo para conquista da hegemonia ideológica. A Escola de Frankfurt também refez uma releitura do marxismo e apontou para a cultura como o foco do interesse revolucionário. Antes que esta escola do pensamento social se tornasse influente no Brasil o “Partidão” já incentivava a infiltração. Esta é a atitude de quem tem uma forte convicção, sentindo-se portador de uma boa nova capaz de produzir um mundo melhor.


Intelectuais e artistas frequentemente se inclinam pela contestação dos padrões culturais vigentes. Sentir-se no papel de agente da construção de uma nova e maravilhosa era é muito tentador. O termo intelectual, porém, conforme Thomas Sowell (1930 – vivo), não se aplica genericamente aos eruditos, estudiosos e pessoas inteligentes, mas apenas aos que raciocinam no campo das ideias, dedicam-se à cultura e integram a intelligentsia (militância na cultura e em movimentos estéticos e políticos). Engenheiros, físicos, matemáticos e médicos estudiosos e inteligentíssimos não são intelectuais, romancista, porém, enquadram-se na classificação aludida.

Intelectuais não se preocupam com a viabilidade dos sonhos que divulgam e estimulam. Sentir-se sábio e virtuoso é um pensamento sedutor. Raymond Aron (1905 – 1983) descreveu tal sentimento como “ópio dos intelectuais”, atribuindo-o ao marxismo. Mas o raciocínio se aplica a todo o campo designado como “progressista”.


Durante décadas o ópio dos intelectuais seduziu a intelligentsia, que até os anos setenta fazia triagem ideológica nas redações dos jornais e nos concursos das universidades, nas áreas de humanidades. Depois deixou de ser necessário. Décadas de aparelhamento formaram toda uma geração com antolhos, como os habitantes da caverna da alegoria de Platão (428/427 a.C.– 348/347 a.C.).

Os cinco mil cargos ocupados pelos partidos de oposição, em Brasília, não são só aparelhamento, mas fruto da hegemonia obtida por décadas de aparelhamento, inclusive sob o Estado Novo e o consulado militar. Agora é falta de opção. Toda uma geração foi catequizada. Restam os militares, mas não são suficientes. A parte contrária fez maioria nas urnas, mas não governa. Não tem com quem. O governo é exercido do terceiro escalão para baixo, pelos “reis filósofos” não eleitos. Gramsci estava certo: não basta tomar o palácio de inverno (ou vencer eleição, acrescente-se), sem ganhar a cultura.



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