QUEM GOVERNA
Rui Martinho Rodrigues*
Quem nos governa? Antônio Delfim Neto disse que ministro faz
discurso, mas o poder é exercido do terceiro escalão para baixo. Examinando
material de um treinamento de pessoal de órgão público, vi que o conteúdo era
contrário ao pensamento do titular da casa, que sem tempo ou interesse, não
examinou o dito material, não foi alertado e não percebeu o que os assessores
estavam fazendo.
Mais de cinco mil cargos de confiança, no serviço público federal,
só em Brasília, ainda estão ocupados por pessoas de partidos de oposição.
Alguns dizem que é aparelhamento remanescente de governos anteriores. Esta
prática se caracteriza pelo preenchimento de vagas com favorecimento partidário
ou ideológico e estímulo ou a preparação de candidatos com o objetivo de
exercer influência na instituição. Além do serviço público, as empresas de
comunicação seriam alvo de um esforço nesse sentido. Um professor de Física me
confidenciou que desde menino foi designado para “infiltrar” uma certa
organização, não tendo conseguido por um problema pessoal.
Partidos de convicção preocupam-se em infiltrar setores
estratégicos, desde antes da divulgação do pensamento de Antonio Gramsci (1891
– 1937) no Brasil, principalmente pela obra “Os intelectuais e a organização da
cultura”, na qual a proposta revolucionária se desloca da tomada do governo
para conquista da hegemonia ideológica. A Escola de Frankfurt também refez uma
releitura do marxismo e apontou para a cultura como o foco do interesse
revolucionário. Antes que esta escola do pensamento social se tornasse
influente no Brasil o “Partidão” já incentivava a infiltração. Esta é a atitude
de quem tem uma forte convicção, sentindo-se portador de uma boa nova capaz de
produzir um mundo melhor.
Intelectuais e artistas frequentemente se inclinam pela contestação
dos padrões culturais vigentes. Sentir-se no papel de agente da construção de
uma nova e maravilhosa era é muito tentador. O termo intelectual, porém,
conforme Thomas Sowell (1930 – vivo), não se aplica genericamente aos eruditos,
estudiosos e pessoas inteligentes, mas apenas aos que raciocinam no campo das
ideias, dedicam-se à cultura e integram a intelligentsia (militância na
cultura e em movimentos estéticos e políticos). Engenheiros, físicos,
matemáticos e médicos estudiosos e inteligentíssimos não são intelectuais,
romancista, porém, enquadram-se na classificação aludida.
Intelectuais não se preocupam com a viabilidade dos sonhos que
divulgam e estimulam. Sentir-se sábio e virtuoso é um pensamento sedutor.
Raymond Aron (1905 – 1983) descreveu tal sentimento como “ópio dos
intelectuais”, atribuindo-o ao marxismo. Mas o raciocínio se aplica a todo o
campo designado como “progressista”.
Durante décadas o ópio dos intelectuais seduziu a intelligentsia,
que até os anos setenta fazia triagem ideológica nas redações dos jornais e nos
concursos das universidades, nas áreas de humanidades. Depois deixou de ser
necessário. Décadas de aparelhamento formaram toda uma geração com antolhos,
como os habitantes da caverna da alegoria de Platão (428/427 a.C.– 348/347
a.C.).
Os cinco mil cargos ocupados pelos partidos de oposição, em
Brasília, não são só aparelhamento, mas fruto da hegemonia obtida por décadas
de aparelhamento, inclusive sob o Estado Novo e o consulado militar. Agora é
falta de opção. Toda uma geração foi catequizada. Restam os militares, mas não
são suficientes. A parte contrária fez maioria nas urnas, mas não governa. Não
tem com quem. O governo é exercido do terceiro escalão para baixo, pelos “reis
filósofos” não eleitos. Gramsci estava certo: não basta tomar o palácio de
inverno (ou vencer eleição, acrescente-se), sem ganhar a cultura.
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