domingo, 5 de julho de 2020

ARTIGO - Os Partidos Políticos (AS)


OS PARTIDOS
POLÍTICOS
Arnaldo Santos*


Os partidos surgiram, pela primeira vez, naqueles países que adotaram a modalidade de governo representativo, com suporte na organização dos seus processos civis e sociais. Esse modelo – bom que se expresse – previa uma gestão do poder por parte dos representantes do povo.

Em essência, o nascimento dos partidos tem origem na busca pela criação de organizações de caráter participativo, é dizer, em razão do crescente aumento da demanda por participação nos processos das decisões políticas pelas diversas classes e estratos da sociedade.
              
Ainda no Século XVII encontramos registros da existência de dois grandes partidos pertencentes à aristocracia, atuantes no Parlamento inglês, e de representação política, mas sem relevância ideológica.

Segundo Weber, não eram mais do que séquitos de poderosas famílias aristocráticas. É tanto que, sempre que um lord, por alguma razão, mudava de partido, tudo o que dependesse de sua ação transmudava para o grêmio de oposição.

Nos registros mais recentes, na primeira metade do Século XIX, encontramos, na Europa e Estados Unidos, o partido dos notáveis. Esse é o período de afirmação do poder da classe burguesa, com a difusão das ideias e instituições parlamentares, bem assim a superação do conflito político pela sua constituição.

No período que precedeu e se seguiu o final do Século XIX, conforme afirma Norberto Bobbio, em (Dicionário de Política – Vol.2), essa realidade começou a mudar, quando aflorou o movimento operário baseado nas transformações econômicas e sociais, resultantes da industrialização, levando à “ribalta política as massas populares, através dos movimentos inicialmente espontâneos para logo a seguir dar lugar aos  protestos, até a criação do partido dos trabalhadores”.

Ainda segundo ensina Norberto Bobbio, “[…]”, é precisamente com o surgimento dos partidos socialistas – na Alemanha em 1875, na Itália em 1892, na Inglaterra em 1900, e na França em 1905”, que os partidos assumiram configurações completamente novas.

No itinerário malsão da política brasileira, historicamente, os partidos são a nossa primeira referência de negação da política, como instrumentos de constituição do bem-estar social coletivo, no contexto dos ideais de partidos programáticos e representativos de uma sociedade democrática.

A rigor, os partidos deveriam ser a porta de entrada para o efetivo exercício de uma práxis política, segundo nossas ideações, como organizações defensoras das reivindicações coletivas dos representados, nos oferecendo como opções eleitorais cidadãos vocacionados para o nobre exercício do poder político, entretanto, sob o aspecto ético e moral dos candidatos, o que se verifica é uma aguda deterioração, com graves impactos na qualidade da representação política, e para a democracia.
 
Para a consecução desse fim, aos grêmios partidários impõe-se a adoção de critérios no processo de formação dos seus quadros, mediante o estabelecimento da exigência de um padrão moral e ético, bem como de um perfil democrático, aos seus filiados, como precondição para se conceder legendas aos postulantes que disputarão mandatos eletivos; deveria, mas, na prática, o que prevalece é, tão-só, a “má” intenção daqueles que buscam se servir da política, em detrimento do bem societário.

As explicações para essa distorção podem ser encontradas na famosa definição de Marx Weber, onde ele ensina que “[...] os partidos têm caráter associativo, obedecem a um fim deliberado, seja ele de ‘objetivo’, a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder, e, consequentemente, glória para os chefes”!

Ainda na trilha de Weber, essa definição põe em relevo “[...] o caráter associativo do partido, a natureza da sua ação essencialmente orientada à conquista do poder político dentro de uma comunidade, e concretamente tem motivações à consecução de fins, ‘objetivos’ e/ou pessoais”.

No Brasil, essa definição foi interpretada, e é exercida pelos chefes (donos dos partidos), ao pé da letra, haja vista o caráter personalista em nossa cultura político-partidária. Não é por acaso que quase todos os políticos buscam ter um partido para chamar de seu, o que levou a essa profusão de legendas, consideradas de aluguel. As eleições do ex-presidente Collor (PRN) e do atual (pelo PSL) são emblemáticas dessa realidade.

A existência e o desenvolvimento dos partidos, na teoria política, se fundam ou deveriam se fundar, ancorados pelo princípio democrático da participação cidadã, e da representação política da sociedade, para afirmação de um Estado autônomo e soberano, assegurando a participação do cidadão nas decisões políticas.

Como é consabido, nos períodos de crises políticas e de transformações econômicas e sociais, com influxo direto na ordem tradicional da sociedade, como a que vivemos agora no Brasil, a demanda por participação fica ainda mais intensa, na defesa, especialmente, da democracia, e aos  partidos caberia o papel de mediador dos conflitos e dessas transformações, mas não é o que ocorre, pelo menos na realidade fluente.

O antirrepublicanismo da cultura partidária, no Brasil, se materializa, e tem negativo registro na História recente do País, no escândalo protagonizado pelos “anões do orçamento”, no período imediatamente após a redemocratização. Este vergonhoso moto teve destacada participação, notadamente, dos grandes partidos, visto que alguns dos pequenos eram, como ainda sucede, da oposição, e pertenciam ao “baixo clero”, sem qualquer poder e influência.

No referido escândalo, há uma maneira de associativismo, não no sentido weberiano, em sua definição de partidos, e sim na modalidade predatória para a prática de crimes contra o Erário, em que deputados e senadores formaram um conluio, e, durante mais de uma década, desviaram trilhões do orçamento do Governo Federal.

O método utilizado para essa prática antirrepublicana foi pela alocação de recursos no orçamento da União, uma das funções dos congressistas, que formaram uma “associação” de paridos, para, por via dos seus parlamentares, desviar recursos da saúde, educação, segurança, habitação, saneamento básico (35 milhões de brasileiros, ainda hoje, não têm água tratada, e mais de 100 milhões não têm esgotamento sanitário), para o  financiamento dos seus projetos de interesses particulares, (eleições e perpetuação no poder) e dos chefes de suas agremiações.

Nessa contextura de negar a função de representação dos interesses políticos da sociedade que deveriam ter os partidos, é imperioso lembrar, ainda, os mais recentes, e não menos famosos, que foram os escândalos do “mensalão” e da “lava-jato”, ainda bem acesos na memória.

Com tal ação, os partidos brasileiros, à extensão da história, não só foram perdendo a legitimidade intrínseca da representatividade política do País, como legaram às gerações de hoje o desestímulo à participação política, levando o cidadão de bem, vocacionado a servir na vida pública, a ter vergonha de participar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário