quinta-feira, 14 de maio de 2020

ARTIGO - A Grande Tormenta (RMR)


A GRANDE TORMENTA
Rui Martinho Rodrigues*



Temos uma crise sanitária, a economia mundial não vinha bem, e o impacto da pandemia nas atividades econômicas é arrasador. A arrecadação dos governos cai e os gastos públicos crescem. O mundo acordou para a dependência de bens industriais da China e a globalização perde apoios.

O nacionalismo e o protecionismo ganham força e a substituição de importações está sendo exumada, algo semelhante ao mercantilismo, que reunia a busca de balança comercial favorável, monopólios e protecionismo. O nacionalismo revigorado e o protecionismo potencializam conflitos internacionais.

O rearranjo da divisão internacional do trabalho levou a Índia a esforçar-se atualmente por atrair mil empresas da China para o seu território. O Japão destinou bilhões de dólares para ajudar empresas que queiram ser repatriadas.

O governo Trump já estimulava essa política. A União Europeia cogita estabelecer barreiras contra produtos chineses. Protecionismo lembra custos mais altos e a realocação de fábricas exige investimentos, desviando-os de outros objetivos. Consumidor e contribuinte pagarão a conta. Disputas comerciais agravam as relações e aprofundam a dispendiosa corrida armentista.

Mortes, sistemas de saúde colapsados, isolamento social por tempo incerto e novas ondas de propagação do vírus exigem a intervenção do Leviatã. É preciso socorrer autônomos, desempregados e empresas, investir em serviços de saúde e controlar a mobilidade de pessoas. Tudo isso será temporários? Surgem suspeitas de que haverá adiamento da vigência de tais medidas por tempo indeterminado. Os meios de controle na era digital superam a ficção de George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), “1984”. A internet das coisas e a tecnologia 5G ensejam controles inimagináveis.

O desequilíbrio de forças entre os cidadãos e o Estado afasta a possibilidade de resistência aos Poderes ilegítimos. A crença no Leviatã como agente da História para aperfeiçoar a sociedade e o homem por meio de uma reengenharia social e antropológica, que exige violência para ser imposta, tem os apoiadores de sempre, entusiasmados com o controle crescente dos cidadãos pelo Poder Central, que imaginam poder controlar.

Trata-se da herança de Platão (428/427 – 348/347), (da “República”, apesar do arrependimento deste autor, expresso na obra “As leis”, pouco divulgada); reforçado por Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), ideólogo do rei absolutista da Prússia; e pelo entendimento da obra de Karl Heinch Marx (1818 – 1883), por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), que os três autores inimigos da sociedade aberta.

Perigos como terrorismo, crime organizado e novas ondas da atual e de novas pandemias se somam aos temores das décadas mais recentes sobre desequilíbrio ambiental, encorajando os adeptos de mais controles.

A supressão da moeda física começa a se tornar realidade, em nome da prevenção de agentes infecciosos em cédulas contaminadas, para fins de controle do crime organizado e do financiamento do terrorismo. Até o prosaico argumento da facilitação de troco é desculpa para mais controles, inclusive os supranacionais.

O neocolonialismo se insinua nestas discussões. O Grande irmão orwelliano é uma realidade, não uma possibilidade. A complexidade do mundo, os cidadãos desnorteados e o bem contido nas propostas de controle, dando aparente legitimidade ao totalitarismo, se mostram muito fortes. Já se disse que nada acontece na política sem que antes aconteça na literatura. Desde o Século XX a ficção só produziu distopias. O momento é preocupante.


Um comentário:

  1. "O Grande irmão orwelliano é uma realidade, não uma possibilidade."
    Análise perfeita!
    Parabéns doutor!

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