segunda-feira, 15 de julho de 2019

ARTIGO - Moralismo e Ganância (RMR)


MORALISMO E GANÂNCIA
Rui Martinho Rodrigues*


A palavra moral, acompanhada do sufixo “ismo”, é quase sempre usada para qualificar a moral do outro. A própria moral tende a ser acrescida do sufixo “ade”. O primeiro sufixo é de origem grega, e embora sirva para designar fenômenos linguísticos, sistemas políticos e religiosos ou doença, entre outras coisas, é usado no debate ideológico, para indicar alguma disfunção ou patologia. Moralismo seria, então, a moral como que patológica, apresentando desvios em relação ao significado respeitável da palavra, tendo assim claro sentido pejorativo. O sufixo “ade” se agrega a uma palavra para imprimir a ideia de qualidade ou estado. Não tem sentido pejorativo. O discurso político se serve dele para proclamar suas próprias virtudes. A moralidade é sempre aquela de quem se expressa.

Exprobar a ganância se apresenta como moralidade, virtude associada com superioridade intelectual justaposta ao superior estado moral de quem a expressa. Mas o que é ganância? Quais meios usados pelo ganancioso são reprováveis? Quais dos seus fins são iníquos? Quais efeitos perniciosos desencadeia? Ganância é exclusividade de quem labora em certas atividades, configurando produto de um tipo específico de relações sociais, econômicas ou políticas? 

Lawrence W. Reed, conhecido como Larry Reed (1953 – vivo), limita o sentido pejorativo da ganância à busca de vantagem injustificada, sem produzir bens e serviços. Poderíamos acrescentar: sem as trocas voluntárias dos negócios entre sujeitos capazes, com objeto lícito e forma não defesa em lei. Fazê-lo assim, e ainda ofertando bens e serviços, gerando emprego e tributo, é legítimo.

Condenável é a ambição que não oferta bens ou serviços, não tem como arrimo a vontade livre dos sujeitos envolvidos e disponibiliza o que não é seu. O estelionatário e o ladrão agem assim. A forma decadente da democracia, que Aristóteles (384 a.C – 322 a.C.) designava como demagogia, oferece bens e serviços que não pertencem ao ofertante. Oferece regulamentos, exigências e restrições, ao invés dos haveres aludidos. Não propõe negócios baseado na vontade livre, servindo-se do poder político para impor os seus desígnios. 

Não há virtude em abrir mão do patrimônio alheio. Para obter dividendos políticos, alavancar a venda de livros, revistas e jornais ou audiência de programas. Há quem até repita o mesmo discurso, mudando o título e vendendo o mesmo livro como se fossem vinte obras diferentes e fica rico condenando a riqueza. Poderia reimprimir com o mesmo título, mas venderia menos.

A outra face do moralismo consiste em apresentar como vilão quem satisfaz a própria ganância pelo modo descrito por Reed como legítimos: ofertando bens e serviços conforme a vontade livre dos sujeitos, sendo o objeto lícito e a forma não defesa, gerando emprego e pagando tributos, sem ofertar o que não lhe pertence, nem obrigar ninguém se valendo do poder político. Ganância por dinheiro é iníqua, mas não se for por poder sobre pessoas? Josef Stalin (1878 – 1953) e Pol Pot (1925 – 1998) não acumularam dinheiro. Só queriam poder. 

Ganância não é um fenômeno exclusivo de uma dada atividade, sistema político, econômico ou social. Funcionários públicos e agentes políticos não são mais virtuosos do que agentes econômicos independentes. Devemos distinguir ambições favoráveis ao bem-estar daquelas do tipo pernicioso.



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