sexta-feira, 5 de agosto de 2016

CRÔNICA - O Estranho que Imita Ruídos (AF)


O ESTRANHO QUE IMITA RUÍDOS
Altino Farias*


Parecia inofensivo ao balcão do bar. Tomava alguma coisa de forma pausada, metódica e ritmada. Roupas escuras e ar circunspecto completavam sua aparência observada por outro bebedor balconista, que ansiava por um bom papo, por isso prestara atenção naquele estranho.

Antes que se aproximasse dele, porém, o estranho sacou um pequeno aparelho do bolso do casaco. Não se tratava de um celular, nem rádio ou gravador, mas, com a boca próxima a ele, parecia comunicar-se com alguém. Curioso, nosso bebedor aproximou-se discretamente do estranho, constatando que ele pronunciava ruídos ao invés de palavras, fosse de que idioma fosse. Ruídos ininteligíveis!

Intrigou-se com aquilo. Tomou mais um trago. Agora o estranho calara-se. Outra dose, a conta e foi embora, tentado esquecer o que presenciara. Tarde demais!

Sentiu-se perseguido a partir de então. Vigiado. Recebeu mensagens de áudio pelo celular. Ruídos, apenas. Semelhantes aos que ouvira sair da boca do estranho. Intrigado, levou o aparelho a um amigo especialista em sons. Ondas sonoras analisadas cuidadosamente por computador, somente ruídos sem forma ou sentido.

Abordado na rua por outro estranho, foi conduzido a um pequeno apartamento no centro da cidade. Inexplicavelmente ele deixou-se ser levado sem questionamentos. Dissidências existem em todo lugar, em todas as situações, então, na condição do mais absoluto sigilo, o estranho, deixando a linguagem de ruídos de lado, contou-lhe segredos dos seus pares, que culminariam com o domínio do planeta Terra e sua total transformação, com a qual não mais seria possível a sobrevivência humana. Quem eram estes seres? Ah, isto não lhe foi revelado.

A ideia consistia, inicialmente, na destruição de todas as fontes de geração de energia através de dispositivos desconhecidos dos humanos, mas que foram explicados ao nosso inocente bebedor de balcão, bem como o plano completo do dissidente para evitar que tal catástrofe dizimasse a raça humana da Terra. Sentiu o peso de toda a humanidade em seus ombros. Teria de agir sozinho e em segredo para obter êxito, era a condição. “Por que eu? Só queria tomar mais duas ou três doses e um bom papo... tá certo, tá certo... umas seis ou oito, que fossem, mas só isso...”. Agora ele tinha a obrigação de salvar o planeta. E sozinho!

Os dias que se seguiram foram de apreensão. Cada tarefa ditada pelo estranho dissidente, um prazo a cumprir. “Será que realmente ele é ‘do bem’, conforme disse? Ou está me usando como ferramenta para fuder tudo?”, questionava-se. Sem alternativas, uma passada no bar para duas ou três doses todo dia tornou-se absolutamente necessária tamanha a tensão que passara a viver. 


O dia “D” chegara. Tarefas esdrúxulas a cumprir, prazos exíguos. Esforço redobrado, um esforço por toda a humanidade. Trabalhos encerrados conforme o exigido pelo estranho que emitia ruídos, tudo continuou exatamente como d’antes. Dera certo, enfim! Chegou em casa exausto. Um gole de bebida forte e jogou-se na cama. Dormiu o sono dos justos. Ele acabara de salvar o mundo, mas ninguém sabia, e jamais saberia! Nem mesmo o pessoal do bar...



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