A NATUREZA HUMANA
E A ECONOMIA NACIONAL
Rui Martinho Rodrigues*
Penso que
existe uma natureza humana. Isto é, o homem não é inteiramente produzido historicamente.
A natureza humana que atravessa os séculos e os milênios, sem perder a sua
identidade, pode ser constatada no Antigo Testamento da Bíblia.
No Livro de
Ruth, e nos livros históricos do Antigo Testamento em geral, vemos os mesmos
conflitos, as mesmas paixões, as mesmas ambições. É a tal natureza humana. E essa
natureza humana é feroz. O apóstolo Paulo, em suas cartas, fala na luta do
espírito contra a carne (natureza humana, feroz e egoísta).
Uma das
maiores mentiras (difícil saber qual é a maior delas) da chamada esquerda ideológica é
dizer que o homem tem uma natureza boa, ideia claramente expressa por Rousseau, quando disse que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. O mistificador
disse isso, mas nunca se preocupou em explicar quem corrompeu a sociedade.
Na verdade,
a melhor forma de organização política e social é aquela que coloca a
mesquinhez humana a serviço da sociedade. Aristóteles se dizia monarquista
porque essa forma de governo convocava os homens a servir o interesse público
mediante recompensa com honrarias, tornando-os “nobres”. A república, dizia
ele, pretende que os homens sirvam à sociedade por virtude cívica. Duvidava o
grande pensador que isso pudesse funcionar.
Adam Smith
deu mais um passo: disse que a competição e a ambição, colocando o egoísmo a
serviço da sociedade, seriam proveitosas. Eu vejo no crediário um exemplo da
confirmação disso. Quem criou a venda a crédito só queria ganhar dinheiro. Não
pensava em fazer o bem. Mas é o crediário que viabiliza o conforto de milhões
de pessoas e aquece a economia gerando emprego, renda e impostos.
A fórmula política que divide as funções do poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) também é um esforço para colocar as contradições humanas a serviço do bem comum. A iniciativa privada é dirigida por homens de natureza feroz. Mas eles concorrem entre si, denunciando uns aos outros. O Estado, quando acumula a função jurídico-política com a função econômica, não tem concorrência. Nem tem quem o fiscalize.
A fórmula política que divide as funções do poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) também é um esforço para colocar as contradições humanas a serviço do bem comum. A iniciativa privada é dirigida por homens de natureza feroz. Mas eles concorrem entre si, denunciando uns aos outros. O Estado, quando acumula a função jurídico-política com a função econômica, não tem concorrência. Nem tem quem o fiscalize.
Assim, o que se precisa fazer é limitar a participação do Estado na economia, para que ele fique fiscalizando; além de fortalecer as instituições autônomas
dos poderes divididos – é o que o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia,
no âmbito federal, estão fazendo no caso Lava Jato). A alternância no poder completa o jogo.
A corrupção existe no interior da iniciativa privada, mas é limitada pelo
interesse egoístico do dono, que é vigilante – “o olho do dono é que engorda
o cavalo” – diz a parêmia. As relações entre empresários e políticos precisam
de vigilância externa. Oposição e imprensa deveriam fazer isso. No Brasil,
hoje, a oposição tem se omitido.
O setor público só se moraliza quando uma imprensa atuante, uma oposição vigilante e instituições públicas autônomas umas em relação as outras denunciam e limitam os desvios de conduta. Isso se dá porque a mesquinhez aí é posta a serviço do bem comum. O político e o jornalista que denunciam não o fazem por virtude, mas por inveja.
Vejamos os políticos do PT, que fizeram carreira
denunciando corrupção e pregando ética. Os fariseus combatem a corrupção por invejar
o corrupto, mas, ao fazê-lo, prestam um serviço à sociedade. A indignação é
pelo privilégio alheio, e não pela justiça social. Sim, da maldade humana vem o
equilíbrio, porque os maus lutam continuamente entre si.
Para que o empreendedor
faça investimento é preciso haver confiança. É preciso haver segurança relativa ao marco regulador do ordenamento jurídico vigente. A instabilidade
normativa afasta o investidor. É preciso haver um direcionamento estável no
planejamento. É preciso haver equilíbrio nas contar públicas para que haja
estabilidade monetária. É preciso que haja uma previdência, uma ordem
tributária, uma Justiça Trabalhista que inspirem confiança no investidor.
O empreendedorismo
do investimento formiguinha é desespero de quem perdeu o emprego ou quer
começar a vida e não tem perspectiva, como o jovem que, perto de terminar o
curso universitário, já está pensando em tentar um pequeno negócio, porque
não há outro caminho. Mas o investimento em logística pesada, como metrôs,
portos, aeroportos, ferrovias, etc, este não vêm sem as condições da
estabilidade e da segurança.
O
investimento público, por outro lado, depende de superávit fiscal e do crédito
público. Tivemos mais de uma década quebrando recordes de arrecadação, mas ao
invés de fazermos superávits acumulamos uma dívida que já chega a 67% do PIB e
continua crescendo a passos largos. E não fizemos nada com o dinheiro que gerou
essa dívida.
Ela foi toda usada para manter a máquina estatal (despesas
correntes); fazer política monetária, vendendo títulos para enxugar os
meios de pagamento; fazer uma pseudo política social, que não passa de
clientelismo; manter o câmbio artificialmente, elevando juros para atrair
dólares, gerando despesa financeira com o serviço da dívida.
Na raiz de
tudo está o problema das contas públicas. Caso tivéssemos equilíbrio financeiro
teríamos poupança pública para investir; teríamos crescimento e não
precisaríamos de artifícios com os quais tentamos segurar o câmbio; não
teríamos necessidade de enxugar os meios de pagamento lançando títulos e
estocando dívida e criando despesas financeiras que desequilibram as contas
públicas. O realismo tarifário e cambial completaria o trabalho de soerguimento
da economia.
Mas não temos
partidos, líderes ou receptividade na sociedade para estas coisas. Vamos
continuar trilhando o caminho errado, até que o desastre nos obrigue a
reconhecer a realidade simples: não existe almoço de graça; não se colhe sem
plantar; não se investe sem poupança; não se tira proveito do crédito mal
utilizado, que não gera nenhuma alavancagem.
NOTA DO
EDITOR:
A base
deontológica do pensamento expresso acima é o postulado de que o dever social
do indivíduo não é fazer o bem; mas é não fazer o mal.
Ao atuar na vida privada sem fazer o mal, mas procurando fazer o bem a si
mesmo, no varejo da licitude, termina por fazer o bem no atacado – quando,
visando lucros e outros ganhos pessoais, contribui intelectualmente com o
progresso da ciência e com os avanços tecnológicos; ou com o seu trabalho, sua
inventividade e seu empreendedorismo, produz confortos sociais – emprego,
renda, tributos.
A prática
do mal está prevista e tipificada no ordenamento jurídico, com a suas
consequências penais, bem como nos mandamentos religiosos, que ameaçam com
“castigos”. A prática do bem é estimulada pelo prazer da caridade, a sublimação do orgulho, pelo
diletantismo altruístico de minorar a dor alheia, de forma pontual, o que para
qualquer um é uma faculdade, mas para ninguém é obrigação – e tampouco é
solução coletiva para o drama humano como um todo.
O ser
humano é egoísta por natureza, psiquicamente programado
para sobreviver e prosperar, o que importa em concorrer na sociedade e em lutar
com os circunstantes em prol de seus próprios interesses. Se for temente à Deus
ou às tenazes da Justiça, o indivíduo segue as normas de conduta postas,
místicas ou jurídicas, e de forma indireta se constitui em benfeitor da
sociedade.
Esse
processo justifica, inclusive, o celibato no sacerdócio, pois para não
concorrer na sociedade e não se confrontar com o próximo, dedicando-se
unicamente ao amor universal, em busca da virtude, o “pastor de almas”
celibatário de qualquer religião se procura isentar do amor romântico, e da
consequente constituição familiar.
Na
primeira fase da vida o indivíduo norteia a sua ação anímica pelo sexo, na
emulação com os concorrentes na busca do parceiro ideal, e, vencida essa etapa,
ele passa a defender seu próprio núcleo familiar, o seu clã e o patrimônio que
deixará aos futuros sucessores, o que impende em concorrência e em egoístico
confronto de interesses, ainda que de forma lícita e pacífica. Esse processo é
inevitável quando não se é celibatário.
Alguns não
cometem ilícitos por lhe faltarem oportunidades (“não faço porque não posso).
Os demais temem a Justiça (“não faço porque não ouso”). Porém, quando
na luta pelo progresso pessoal a concupiscência eventualmente suplanta o medo e
faz delir as suas cautelas racionais, então a pessoa incide em
delinquência. Isso, em não havendo princípios éticos intransigentes,
sedimentados no espírito da pessoa pela via da moral, que não depende da razão
(“não faço porque não devo”) – e esses são casos muito raros.
Essa é a
saga dos políticos corruptores alcançados pela Operação Lava Jato, que se
quiseram eternizar no poder “fazendo o diabo”, bem como dos empresários por
eles corrompidos, os quais se renderam à condição sine qua non imposta
pelo Governo para contratar com o Poder Público.
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