HOJE,
29 DE FEVEREIRO DE 2016,
UM DIA A MAIOR DO ANO BISSEXTO
Vianney Mesquita*
Mil, dez mil anos não passa de simples ponto que nos não
é dado ver. SIMÔNIDES DE CEOS. (YLulis-Ceos, 586 a.C. VAgrigento-Itália, 488 a.C.).
Depois
de 2012, conforme o Calendário Gregoriano, ora vigente na banda
ocidental, este ano é o primeiro bissexto,
pois hoje, 29 de fevereiro – só ocorrente de quatro em quatro anuênios –
significa o fato de que o exercício fluente possuirá 366 dias, ao passo que os
três anteriores perfizeram somente 365 períodos de 24 horas.
Ocorreu
de amigos e pessoas modestas a mim chegadas, nomeadamente não muito afeitos ao
trato literário, me perguntarem, com recorrência, acerca dessa dicção, empregada
a miúdo com relação aos poetas e escritores pouco produtivos ou de produção
apenas singular, ou seja, “por que Fulano é considerado poeta bissexto?”
Lembro-me
de que, em 2012, conforme referido há pouco, derradeiro bissexto sucedido, as indagações mais afluíram, de modo que passo a
narrar o assunto, evidentemente, sem profundidade científica, louvado apenas no
conhecimento do senso comum adquirido ao longo do tempo, na vida e na escola, o
qual também se encontra à disposição de qualquer pessoa, em obras de referência
de domínio público, facilmente acessíveis, como dicionários e enciclopédias.
Colhi, então, a informação de que, no tempo do
Império Romano, sob Caio Júlio César, consoante conta Caio Plínio Segundo, o
Velho, o ano vulgar possuía 365 dias.
Como o movimento de translação anual da Terra à
volta do Sol somente se completa após 365 dias mais um quarto, as seis horas
restantes ensejavam divergências entre o ano civil e o moto dos corpos celestes
– estrelas, planetas, nebulosas, cometas etc.
Júlio
César, então, convocou o astrônomo Sosígenes,
de Alexandria, e contratou com ele a solução do problema. O Sábio egípcio,
então, decidiu estabelecer que, de quatro em quatro anos, seria acrescentado um
dia ao mês de fevereiro, resultado da soma das horas sobrantes de 365 nesses
anos.
Tal significa dizer que, após um período de 366 dias (bissexto = duas vezes sexto), se seguem
três de 365 e um de 366. De tal maneira, não parece correto se dizer que um ano
perfaz 365 dias e seis horas, dada a decisão do Astrônomo alexandrino de somar
às 18 horas as seis do tempo bissexto
para completá-lo, porém, com 366 conjuntos de 24 x 60 minutos.
Curioso
é notar o fato de que todos os anos cuja expressão numérica é divisível por
quatro são bissextos, com 366 dias,
como nos casos de 1.600, 1.200, 800 e 2.000.
Os
anos seculares, salvante esses do exemplo e outros cujos dois algarismos
iniciais não se expressam como exatamente divisíveis por quatro, não resultam bissextos, razão por que o ano secular
de 1.900 não o foi.
Em
alusão a essa periodicidade do tricentésimo sexagésimo sexto dia, inventou-se,
no Brasil, uma locução, desusada noutras nações lusófonas – poeta bissexto/escritor bissexto.
A
palavra bissexto, bem como
o termo bissêxtil, de há muito deixaram de ser neologismos, pois
dicionarizados em 1946. Tencionam, então, conotar o estado daquele,
particularmente do poeta, dedicado excepcionalmente à literatura, fazendo
poucos versos, o que sugere se evocar, em razão dessa escassez de produção, o
dia bissexto de fevereiro (29) e os
anos bissêxteis.
Ocorre,
exempli gratia, com EUCLIDES Rodrigues Pimenta DA CUNHA,
celebrado autor nacional das letras, no terreno social, bem como nas áreas
histórica e política. O Autor fluminense produziu extraordinárias obras nestas
fertílimas searas, internacionalmente conhecidas e acatadas, como, por exemplo, Peru
versus Bolívia, Contrastes e Confrontos, À Margem da História e o
admirável Os Sertões, além doutras
de fecunda inspiração e lúcidas ilações.
Euclides
da Cunha (YCantagalo-RJ, 20.01.1866 ; VRio de Janeiro, 15.08.1909)
achou de escrever, em meio às produções do seu gênero, o Soneto sequente,
intitulado Dedicatória, que extraí de Os
mais Belos Sonetos Brasileiros, livro de Edgard Resende (Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1945):
Se acaso uma alma se
fotografasse,/De sorte que nos mesmos negativos/A mesma luz pusesse em traços
vivos/O nosso coração e a nossa face ...
E os nossos ideais, e os mais
cativos/De nossos sonhos ... se a emoção que nasce/Em nós também nas chapas se
gravasse/Mesmo em ligeiros traços fugitivos ...
Amigo! Tu terias com certeza/A
mais completa e insólita surpresa/Notando – deste grupo bem no meio
Que o mais belo, o mais forte
e o mais ardente/Destes sujeitos é precisamente/O mais triste, o mais pálido e
o mais feio.
Muitos
dos literatos nacionais fizeram versos assim, bissextamente, conforme disse, certa vez, o intelectual-dentista Ivan
César a respeito de meu amigo Antônio
Girão Barroso, “o único poeta dispensado de fazer poesia”.
Há alguns
livros, especialmente de sonetos (duas estrofes de quatro versos = quartetos; e
duas de três = tercetos ou trísticos), enfeixando a produção de poetas bissextos, o mais importante dos quais,
pela sua contemporaneidade, é a Antologia
dos Poetas Bissextos Contemporâneos, organizada por MANUEL Carneiro de Sousa BANDEIRA
Filho.
A
produtiva industriosidade neológica brasileira – cearense, nomeadamente – já se
serve de estender mais ainda o alcance de bissexto,
de maneira que se diz, progressivamente, economista bissexto, administrador bissexto,
articulista bissexto, advogado,
orador, comentarista e até bebedor bissexto;
tudo isto sem remissão a fevereiro como o mês em que, por motivo óbvio – de
acordo com a invencionice moleque do cearense – a mulher fala menos ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário