domingo, 27 de agosto de 2017

CRÔNICA - O Lutador Japonês (TL)


O LUTADOR JAPONÊS
Totonho Laprovitera*


A notícia chegou do Pará. Por aquelas bandas havia um aguerrido lutador que não perdia pra seu ninguém. Daí surgiu a ideia do ilustre jornalista alencarino Sílvio Carlos promover uma luta interestadual, tendo como desafiante o valente Tamiarana, que não abria nem pro trem!

Através de telefonemas interurbanos para o paraense, que se chamava Yokanan e se dizia japonês, Silvio acertou o desafio. Contratado, Yokanan iria de Belém à Teresina de ônibus e, de lá, seguiria até Fortaleza pelo voo de uma Avro, aeronave turboélice da Varig. 

Sendo assim, Yokanan desembarcou no antigo Aeroporto Pinto Martins, onde um grande público e imprensa o esperavam. Saudado como o “Demolidor Samurai”, no dia seguinte a origem étnica de Yokanan foi questionada no programa radiofônico “Antenas e Rotativas”, apresentado pelo brioso radialista Cid Carvalho, que comentou: “Caros ouvintes, de japonês o lutador só tem o radinho de pilha e a sandália!”. 

Chegada a hora da luta livre, a Fênix Caixeiral estava lotada até a tampa! Quando subiram ao ringue, os lutadores se cumprimentaram e ao soar o gongo se engalfinharam com mais de mil, e gosto de gás! Aí, quando se afastaram um pouco, Tamiarana tacou um inesperado tabefe no pé-do-ouvido de Yokanan, chega ele foi à lona. 

Estatelado, caiu revirando os olhos puxados. Perdeu som e imagem! Após contar até dez, o juiz constatou o nocaute, deu a luta por encerrada e proclamou Tamiarana vencedor do combate, logo no primeiro assalto. A vaia comeu de esmola! 

No outro dia, em primeira página, o jornal “O Estado” noticiou o evento e comentou: “A luta se consistiu em dois assaltos, um no ringue e outro no bolso do torcedor!”.





COMENTÁRIO:

Totonho Laprovitera, a par de um dos maiores artistas plásticos cearenses contemporâneos, no campo da pintura expressionista, tem boas incursões nas artes sônicas, estimuladas pelo seu amigo Fagner, e se tem revelado o melhor cronista de todo o elenco de colaboradores deste Blog.

A chamada “crônica mundana” caracteriza a imprensa brasileira, desde Machado de Assis, bem como marca a nossa “literatura ligeira”, em que se produz uma bibliografia que colige textos curtos já publicados em jornais.

A boa crônica tem a peculiaridade de trazer relatos curtos, leves, coloquiais, memorialísticos, bem humorados, despretensiosos, às vezes líricos, na forma de proza poética, trazendo como “moral da história” apenas casos jocosos da comédia humanas e das facécias sociais, ou exemplos simples de filosofia aplicada.

É sempre embasada em fatos reais vividos pelo autor, narrados na primeira pessoa, ou por ele pessoalmente garimpados. Por isso, “fazer crônica é a arte de encontrar mel sob o vespeiro do cotidiano”, conforme eu mesmo defini em um de meus livros.

Sobre o tema da ótima crônica de Totonho, prevalece mesmo no Estado do Pará um tipo indígena, que pode ser falsamente ostentado como de origem oriental, mas de fato as artes marciais no Brasil começaram naquela região, e através de imigrantes japoneses.

O jiu-jitsu foi ensinado à família Grace, nos anos 30, por um nipônico alcunhado de Conde Koma, em Belém do Pará. Os Grace vieram depois para Fortaleza, onde residiram por alguns anos, antes de demandarem ao Sudeste do País, onde fizeram o seu nome, e criaram o “Brasilian Jiu-jitsu”, mundialmente respeitado.

Mas japonês não aguenta pancada. O seu trunfo é a grande agilidade, e a técnica de usar a força e o peso do oponente contra o próprio oponente, evitando ser nocauteado.

Um dos nossos campeões atuais de MMA, de ascendência japonesa, Lyoto Machida, é conhecido por terminar as lutas, ganhando ou perdendo, sem marcas, hematomas ou sangramentos no rosto, porque ele evita ser socado. Mas, segundo o Totonho, o tal Yokanan não teve essa chance com o nosso Tamiarana, de saudosa memória.     

Reginaldo Vasconcelos
          

Um comentário:

  1. Grato pela generosidade de suas palavras, confrade Reginaldo! Sua crítica me é preciosa e o elogio incentivo.

    ResponderExcluir