domingo, 20 de novembro de 2016

ARTIGO - Três Lapsos (VM)


TRÊS LAPSOS DE ENTENDIMENTO
Vianney Mesquita*

Complemento aos excepcionais artigo de
Luciano Maia e comentário de Reginaldo Vasconcelos


Quando me enganares a primeira vez, a culpa será tua; na seguinte, será minha. (Anônimo).


Aproveito o ensejo da apreciação dessas matérias lúcidas para comentar um trio de manias, expressas de jeito absolutamente errado, já tornadas “oficiais”, consoante passo a fazer.

As significações equívocas, antes ocorrentes mais em circunstâncias de uso da língua no universo coloquial, sem o escopo de socializar conhecimento e tampouco de lecionar, também estão hoje nos espaços de emprego da linguagem culta, onde se codificam, por exemplo, feitos e fatos científicos a se propagarem em livros ou quaisquer suportes de informação.

Exibem-se inumeráveis exemplos desses logros elocutórios até em legislações e documentos de órgãos oficiais do Brasil, fato a se deplorar, pois conduzem o leitor à arapuca do erro, desabilitando nosso código glossológico perante os demais do ecúmeno linguístico, nomeadamente deste exercitado nos Estados lusofalantes – o Português.

Reporto-me, pois, a três eventos, os quais a mim me parece oportuno trazer à balha, pelo emprego genérico e indiscriminado em textos de lições escolares, dispostos legais, pronunciamentos formais, discursos e comunicações científicos e literários, peças de doutrina e jurisprudência, Bioestatística governamental et reliqua. 


ALTERNATIVA

Em razão do largo e inadequado uso da dicção alternativa e suas variações cognatas, com acepções distintas daquelas realmente conotadas, impende se tomar em consideração a ideia de alternativa proceder de alter (Latim) = outro, outra.

Por conseguinte, existe, tão-só, UMA alternativa.

Diz-se, em Português correto, “a alternativa é esta”, de sorte a não se cogitar em (cogita-se em) diversas alternativas, num “leque” de alternativas (Proh pudor!), porquanto, por definição, o vocábulo corresponde à “Sucessão de duas coisas reciprocamente exclusivas”, isto é, uma opção entre duas circunstâncias.

Efetivamente, pois, a opção – não sendo uma coisa ou circunstância – será a outra (alter), a alternativa.

Opção constitui, pois, a alternativa para eliminar as construções frasais equivocadas, feitas, amiúde, a contrapelo das regras da Língua, desprezando, in casu, a procedência histórico-linguística das palavras. 


NASCER MORTO

Quiçá inglória seja nossa luta em objeção a sintaxes desse gênero. Todo o Mundo, até o escrevinhador da língua culta (como adiantado há pouco), suporta, aceita e aplica vocábulos e dicções sem qualquer consistência glotológica. Pouco se lhe dá se está ou não depauperando a língua do Dr. Aluísio Gurgel e Geraldo Jesuino.

Muita vez, são expressas até antíteses violentíssimas, como na consagrada (miserável consagração!) e universalizada unidade de ideias NASCER MORTO, empregada pela Bioestatística, até em mensagens de lavra e da responsabilidade estatais, no Brasil. Há, exempli gratia, um órgão do Ministério da Saúde nacional denominado – SISNAC – Sistema Nacional de NASCIDOS VIVOS (de estudo, aqui em caixa-alta).

Se NASCER significa, conceitualmente, começar a ter vida exterior, vir à luz, enxergar a luz, como pode alguém NASCER MORTO? Nascer, então, é igual morrer?

Diga-se, por conseguinte, a mulher pariu um feto sem vida, delivrou um corpo morto, perdeu a criança, ou algo semelhante. NASCER, então, foi, é e será, indefinidamente, o antônimo perfeitíssimo de morrer.

Lamentavelmente, com alternativa, ainda alimentamos expectativa; com relação a nascer morto, entretanto, parece estar a “guerra” definitivamente perdida, a não ser, entre nós do Ceará, com o adjutório da Academia Cearense da Língua Portuguesa, deste Sodalício e dos demais silogeus guardiães da cultura e da nossa riquíssima fala oficial.
       

ENTRE XIS E ÍPSILON OU DEXIS A ÍPSILON?

Eis, neste passo, a derradeira demonstração de emprego atrapalhado de sentenças, na indicação de intervalos com duas grandezas ou coisas, notadamente sobrevindas de trabalhos universitários, onde afloram, sem explicação admissível, os desacertos mais rudes.

É necessário enxergar-se a diferença bem visível nas duas articulações, no caso, verbi gratia, da indicação de intermitência etária.

Ao se exprimir a ideia de as pessoas ouvidas na pesquisa revelarem nas respostas idades DE 28 A 40 anos, evidentemente, são depreendidos como limites os números inferior e superior, onde estão contidos 28 e 40, correspondentes a 27 e 41 anos. Aqueles indicados, pois, com o espaço etário ENTRE 27 E 41 anos, na realidade, contam DE 28 A 40 anos. Caso se aponte ENTRE 28 E 40 anos, há de se admitir o cinturão etário DE 29 A 39 anos.

Muitas vezes, os pesquisadores informam haverem as crianças do seu experimento, por exemplo, nascido ENTRE 2011 E 2012, tal significando dizer, pois, o fato de ainda não terem vindo ao Mundo, porquanto ENTRE 2011 E 2012 nada existe. Decerto, intentaram expressar esse nascimento em 2011 ou 2012, ou seja, DE 2011 A 2012.

De efeito, rematando o caso, ENTRE os anos de 1927 E 1946, estão os períodos DE 1928 A 1945, não do modo como é constante e equivocamente apontado. ENTRE (preposição) e E (conjunção aditiva) são balizas de fora, razão pela qual não devem ser contadas, enquando DE-A hão de acolher consideração.

De tal sorte, a expressão DE XIS A ÍPSILON difere diametralmente da construção frasal ENTRE XIS E ÍPSILON.




(Este texto não traz a palavra que).


* Vianney Mesquita pertence à Academia Cearense de Língua Portuguesa, à Academia Cearense de Literatura e Jornalismo e é membro fundador da Arcádia Nova Palmaciana (Palmam qui meruit ferat). Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Ceará. Escritor e jornalista. Da Federação Internacional de Jornalistas (Bruxelas-Bélgica - UE).

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