terça-feira, 6 de março de 2018

ARTIGO - O Macunaíma Puritano (RMR)



O MACUNAÍMA PURITANO
Rui Martinho Rodrigues*



Multas de trânsito estão inabilitando pessoas para a função pública, embora não tenham natureza penal. Sucumbência da parte reclamada (que não é ré) em ação trabalhista, igualmente, está produzindo o mesmo efeito, análogo aos maus antecedentes penais.

Tais considerações ocupam espaço na imprensa e nos pronunciamentos políticos, o que já seria grave, mas até o Judiciário está acompanhando a onda de rigor draconiano: um juiz de primeiro grau impediu uma nomeação para o cargo de ministro, pelo Presidente da República em razão de sucumbência da pessoa nomeada ter sido vencida na justiça Trabalhista, amparado, posteriormente, pela ministra Carmem Lúcia.
 
Drácon ou Draconte (650 a.C.– 600a.C.), legislador ateniense, recebeu poderes especiais para restabelecer a ordem. Fez uma legislação extremamente severa, que durou pouco. Os atenienses não suportaram o rigor. Suas leis foram modificadas por Solon (638 a.C. – 558), que foi capaz de alcançar o equilíbrio entre os exageros da sanha punitivista e a leniência que estimula a transgressão.

Normas muito rigorosas acabam não sendo cumpridas, porque os malfeitores planejam formas evasivas. Quem acaba sendo punido são os inocentes, que não se preocupam em elaborar defesas.

As doações de campanha, por associação com a corrupção, foram banidas. Querendo fechar a porta para os desvios de conduta de agentes políticos, resolvemos que elas deveriam ser draconianamente restringidas. Perdemos a oportunidade de saber quem as faz e quem as recebe, para melhor vigiá-las. Esquecemo-nos de que: apoiar candidatos é um direito elementar dos cidadãos; tais apoios nem sempre têm motivação ilícita; doar dinheiro público como alternativa para financiar campanhas obriga o contribuinte a apoiar candidatos e partidos que ele não aprova, além de beneficiar quem não tem representatividade e subtrair recursos dos serviços públicos carentes de verbas.

O espírito justiceiro inflou a ideia de que a autoridade pode tomar decisões contrárias ao que manda a lei, para fazer justiça. Esquecemo-nos de que democracia é o regime da desconfiança.

Por desconfiar das autoridades limitamos os mandatos políticos; precisamos de leis escritas; criamos garantias contra invasão de domicílio; proibimos cobrança de impostos sem a observância da anterioridade e da reserva legal. Macunaíma convertido ao moralismo, todavia, poderá provar o gosto amargo do arbítrio, por abolir a reserva legal, criando efeitos penais em ações trabalhistas e multas de trânsito.


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