terça-feira, 19 de setembro de 2017

CRÔNICA - Rachel Vive (RV)


RACHEL VIVE
Reginaldo Vasconcelos*


Escrevi uma crônica há algum tempo, tratando da tristeza “crônica” que nossa imensa Rachel de Queiroz sempre acusou. Viva, personagem histórica, passado glorioso, reconhecimento público absoluto, mas, não obstante tudo isso, sempre a dizer que morrer tanto faz, que não se incomodava se morresse.

Dentre outras tantas expressões de modéstia e desapego, Rachel fez pouco do seu romance de estréia, O Quinze, que de tão parco volume, não teria competência para ficar “em pé” sobre uma mesa. Seria para ela apenas um livrinho que escreveu e que a “persegue” desde então.

Elvis morreu, morreu Hitler lá pela Europa, Lampião aqui pelo sertão – talvez não exatamente quando e como se acredita. Inobstante tenha sempre havido alguma discórdia sobre isso, morreram sim. Consta que Jesus ressuscitou e subiu aos céus, mas morreu na Cruz; quanto a isso não há dúvida alguma.

Agora me dizem que morreu Rachel de Queiroz. Não sei. Não vi. Não quero acreditar. Ficarei como os suspicazes inimigos de Hitler, como os inconformados fãs de Elvis Presley, como os crentes que confirmam as escrituras, em que Jesus, embora morto, enviveceu. Para reforçar minha dúvida, vou percorrer os cemitérios cearenses, em Fortaleza, no Quixadá, onde certamente haveria alguma lápide com seu nome, fosse verídica a informação.  

E para desafiar a minha crença, vou ao Junco, à Não Me Deixes, verificar se Rachel não estaria por lá homiziada, fugindo da celebridade que sempre a incomodou. Perguntarei aos caboclos se não a terão visto nestes dias; observarei se ela não terá colhido flores, esta semana, nos canteiros da fazenda; examinarei se as cinzas do seu fogão a lenha não estariam ainda fumegantes. E ficarei muito aborrecido com ela se todas as evidências de que esteja viva se frustrarem.

Disseram que acordou na madrugada, chamou pela mãe e pelo pai, em doce delírio, e que de manhã havia seguido com eles. Se foi assim, bem-aventurada partida, “chave de ouro” para uma vida de venturas. De todo modo, não era esse o combinado: nós a queríamos imortal. Sempre rebelde, ela teria decidido que, mesmo imortal, não era imorrível. Não sei. Eu prefiro a dúvida.

Em 05.11.2003







NOTA DO EDITOR

A crônica acima foi escrita no dia seguinte à morte de Rachel de Queiroz, e foi publicada no livro O Passado Não Passa, do mesmo autor, em 2005.

Constituindo-se em um protesto irônico contra o sepultamento de Rachel de Queiroz no Rio de Janeiro, a oportunidade de sua republicação aqui no Blog se prende aos esforços atuais pelo traslado dos restos mortais do jurista cearense Clóvis Beviláqua e de sua mulher, a poetisa piauiense Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, da antiga Capital da República, onde também repousam até hoje, para a cidade de Viçosa do Ceará, da qual ele é natural.

A campanha é encetada pela Academia de Direito de Sobral, de que o grande jurista é patrono, encampada pela Prefeitura de Viçosa, com o apoio de toda a comunidade local, contando ainda com a colaboração da família Miranda, a que pertence a nossa confreira Inês Mapurunga, e com o assentimento da família Beviláqua, hoje radicada no Rio de Janeiro, mas que considera importante preservar hígidas as suas raízes cearenses.

O Colégio de Presidentes das Entidades Culturais do Ceará (COPENCE), que tem como titular o Ministro Ubiratan Aguiar, atual bastonário da veneranda Academia Cearense de Letras, está sendo instado a apoiar essa campanha, que visa trazer para o Ceará os despojos do pai do Código Civil Brasileiro e de sua mulher, que jazerão para sempre no plinto da estátua de Clóvis Beviláqua, na praça homônima em Viçosa. Quem sabe, um dia traremos também Rachel de Queiroz para Fortaleza. 

      

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