segunda-feira, 11 de setembro de 2017

ARTIGO - Decifra-me ou Te Devoro (RMR)


DECIFRA-ME OU TE DEVORO
Rui Martinho Rodrigues*




Compreender os sucessos no momento em que se desenrolam é um grande desafio, é entender fatos e atos antes dos seus desdobramentos. Mais difícil ainda é quando somos abduzidos pelos equívocos dos paradigmas.

O que se passa com o nosso País? Temos uma crise de governo, um profundo abalo na legitimidade do Poder Executivo. Mas o Poder Legislativo encontra-se completamente desmoralizado. Não temos partidos dignos deste nome; nem lideranças; nem programa capaz de aglutinar uma maioria que o torne legítimo. Mais do que uma crise de governo, temos uma grave crise política.

O Poder Judiciário pratica ativismo judicial destruindo a segurança jurídica; usurpa a função legislativa; está abalado por denúncias de corrupção; marcado por corporativismo; usufrui privilégios deploráveis; é objeto de graves suspeitas.

O Ministério Público também não se constrange com os privilégios e com o corporativismo, além de oscilar de modo suspeito entre um garantismo penal leniente e o maximalismo penal açodado de um Torquemada. Os estados federados, a União e os municípios estão falidos. O pacto federativo está em crise, que assim passa a ser uma crise de Estado.

Família, escola, igrejas e profissões estão em crise de identidade, perdendo funcionalidade, diminuídas pelo “desencanto” da cultura. Então temos mais do que uma crise de governo, política ou de Estado. O Brasil sofre mais, porque as nossas instituições sempre foram frágeis e o Macunaíma nunca foi muito sério. Mas a crise generalizada é global. Países com instituições fortes vivem o drama da implosão da civilização que de ocidental passou a global. O iluminismo pensou que poderia expurgar a cultura de todo componente místico, de toda legitimidade baseada na inércia da tradição ou no personalismo das lideranças carismáticas.

O exercício da crítica se exacerbou, destruiu os mitos legitimadores rapidamente, não deixando tempo para a sedimentação de novas narrativas legitimadoras. O iluminismo tardio ou seus últimos rebentos, produzidos no século XIX, dominaram o século XX e destruíram as bases de uma civilização que havia dado ao mundo o habeas corpus, o mandado de segurança, as garantias do devido processo legal, um extraordinário progresso da ciência, o Estado laico, a educação formal universal e a democracia, entre outras coisas. Mas não trouxeram melhoria. A anomia espreita o mundo, depois de haver se instalado no Brasil.

Porto Alegre, 11 de setembro de 2017


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