segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

ARTIGO - Quando o Certo Escandaliza (RMR)


QUANDO O CERTO 
ESCANDALIZA
Rui Martinho Rodrigues*


O senador Renan Calheiros errou ao deixar de receber o oficial de justiça, embora tenha tido a prudência de não presidir nenhuma sessão do Senado até o STF dirimir a pendenga. Marco Aurélio encaminhou à PGR notificação sobre isso, que deverá ter consequências. Agiu certo e não era possível, de imediato, fazer mais do que isso. Mas o Ministro errara em cascata.



Primeiro: decidiu um imbróglio que não era urgente, valendo-se de liminar, medida que exige um perigo iminente, capaz de ameaçar o direito em litígio. Não havia o perigo iminente de afastamento simultâneo dos presidentes da República e da Câmara, o periculum in mora do jargão forense. Não cabia liminar. 

Segundo erro: decidiu monocraticamente. Colegiados existem para decidir coletivamente.

A ação que examinava o impedimento do substituto eventual do Presidente da República dispensava a oitiva da defesa, por ser um exame em tese da constitucionalidade da situação considerada de modo abstrato, em ação objetiva, sem partes. Não discutia nenhuma pessoa em particular, mas genericamente a condição do exercício de um cargo. A liminar, porém, incidia sobre o Senador Renan, assumindo caráter subjetivo (subjecto=pessoa). A parte prejudicada deveria ter o direito de defesa, prazo para o contraditório etc. Isso não foi feito: temos o terceiro erro.

O Ministro cometeu o quarto erro: usou o resultado inconcluso de um julgamento, sem valor como jurisprudência, como fundamento de uma liminar.

Quinto erro: usou a analogia com o caso Eduardo Cunha como outro fundamento da decisão que desencadeou a crise. O Deputado não foi afastado por ser réu, mas porque estaria prejudicando o desenrolar de um processo em benefício próprio. Renan não foi acusado disso. Não cabia a analogia.

Sexto erro: declarar, com base em uma interpretação extensiva que, se o titular do cargo de presidente não pode ser réu, o cargo do substituto também  exige tal coisa. Isso não está escrito em lugar nenhum. É interpretação extensiva, porque diz mais do que o texto legal. Não se pode usar este tipo de interpretação para restringir direito. A decisão polêmica cerceou o direito de um cidadão.

O STF pode condenar um senador. Mas a execução da pena exige uma licença do Senado. O Ministro aplicou uma medida penal contra um senador, sem pedir licença ao Senado. Feriu a separação dos poderes. Sétimo erro.




A prerrogativa de substituir o Presidente da República é do cargo.  Mas as prerrogativas de um cargo são indivisíveis? Só na interpretação extensiva. Os brasileiros aceitam uma decisão inepta, baseada em interpretação extensiva e analogia equivocada, tomada sem a oitiva da parte prejudicada, em juízo sumário, passando por cima da separação dos poderes? Queremos apenar o Presidente do Congresso com base na duvidosa interpretação da indivisibilidade das prerrogativas dos cargos?

O STF corrigiu, sem corporativismo, os erros aurelianos. Desta vez agiu certo. Não se trata de privilégio do senador. É a defesa do Legislativo e da segurança jurídica de todos. Uma decisão judicial atrabiliária agredia a cidadania.




COMENTÁRIO:

Concordo com o Prof. Rui Martinho Rodrigues em (quase) tudo que ele pontifica em seu artigo, tão claro quanto lógico, eminente jurista que ele é. Concordamos no essencial, e também convergimos no resultado conclusivo.

O Ministro Marco Aurélio errou fragorosamente ao conceder aquela liminar, afastando Renan Calheiros da Presidência do Senado.

Errou o Senador, em não receber a intimação e em desobedecer, acintosamente, a decisão, devendo por isso ser denunciado pela Procuradoria da República.

Por fim, acertou o Pleno do STF, por via transversa, ao não referendar a polêmica ordem monocrática do Ministro.

Mas concordes na casca, no cerne eu e o autor divergiremos. Convimos quanto ao destino, mas por caminhos diferentes. Segundo penso, não é preciso estar escrito, nem parecer ponderável, quando a lógica indica o certo.

A meu sentir havia, sim, o periculum in mora, ínsito no imponderável aleatório. Foi por achar que não havia perigo que o inditoso piloto boliviano acidentou-se na Colômbia.

Ora, a autonomia do avião coincidia com a distância da rota, e ele não planejava fazer deflexões – mas, por segurança, a legislação aeronáutica obriga à redundância técnica, em função de males agudamente previsíveis. E é previsível que a substituição presidencial se faça repentinamente necessária, não cabendo fazer cálculos sobre se o Presidente é jovem, tem boa saúde, e não tem viagem agendada.  

Acontece que não deveria um juiz vogal decidir sozinho em um caso tão sensível, pela mais relevante razão de Estado, tendo em vista a delicada crise institucional que o País vive. Quanto mais se conduzindo, claramente, por vindita pessoal, tendo em vista os recentes ataques do Senador ao Poder Judiciário.

Também me parece ser claro que, se um Presidente da República não pode ser réu criminal, obviamente o seu substituto eventual também não pode. Seria um truísmo afirma-lo expressamente no texto normativo, e a lei não precisa ser prolixa. Até porque não será interpretada por um reto e inflexível programa cibernético.

Por fim, deveria mesmo o Pleno do Tribunal reverter a ordem de afastamento do Senador da Presidência do Senado – mas também por conveniências políticas, entrevistas em razões de Estado – mesmo fazendo temperamentos e ressalvas, e entre choro e ranger de dentes, recorrendo à fundamentação jurídica útil que coubesse manejar. E foi o que foi feito.

Reginaldo Vasconcelos

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