domingo, 11 de dezembro de 2016

ARTIGO - DELAÇÃO DO FIM DO MUNDO (RV)


DELAÇÃO DO FIM DO MUNDO
O POLICHINELO DESNUDADO
Reginaldo Vasconcelos*


No Brasil, ninguém decide ingressar na política partidária por ser altruísta ou patriota. Os idealistas autênticos são raríssimos nessa atividade. A esmagadora maioria procura integrar o poder público pela via eleitoral, em quaisquer dos seus níveis, para se locupletar com as benesses dos cargos – essa é a mais cristalina realidade.

Há os que vendem sua popularidade midiática a um partido político, pensando que como administrador ou parlamentar se pode fazer uma grande obra humanitária, mas logo encontram o desengano e desparecem do cenário.

Outros representam igrejas, sindicados e demais instituições de numerosos integrantes, e então entram facilmente na política com fins corporativos. Ainda existem ricos empresários que, cansados de subornar mandatários, resolvem eles mesmos participar do processo legislativo ou decisório para proteger pessoalmente seus negócios.

Mas, em grande parte, o que há na política é aventureiro descarado – falsos ideólogos, que inapetentes intelectuais, incompetentes profissionais, fracassados na vida, descobrem no meio político partidário o reino da malandragem desvairada, da mentira cavilosa, da ilusão dos desvalidos, do enriquecimento fácil.  
    
Em seguida se profissionalizam na política, se reelegem seguidas vezes por meio de falsas promessas de campanha, de manobras, de conchavos, e, não satisfeitos, alguns colocam os próprios cônjuges na carreira, para garantir a alternância da família no poder.

Muitos adotam ainda o “filhotismo”, legando a membros da prole o seu “capital eleitoral”, criando verdadeiras dinastias políticas, como se o voto do eleitorado de cabresto fosse um patrimônio pessoal.

Os salários dos ocupantes de cargos eletivos, em todas as esferas da administração pública, são generosos, e às vezes excessivos, acumulando vantagens que vão sendo criadas por normas espúrias – emendas e portarias – conforme tem evidenciado o recente movimento contra os “supersalários” de alguns membros dos três Poderes da República, os quais recebem remunerações superiores aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal, o que é inconstitucional.    

Todavia, há uma cotação informal relativa às despesas de campanha para a eleição de candidato para um mandato qualquer, de modo que cada cargo pleiteado tem um preço definido e consabido – e sabidamente o valor que o candidato se obriga a gastar para se eleger é sempre muito superior ao montante que o eleito vai receber em subsídios e proventos.

Ora, se esse dispêndio eleitoral supera muitas vezes a receita salarial do parlamentar ou executivo, é óbvio que outras compensações financeiras, não republicanas, são por ele previstas e consideradas.

É verdade que o candidato não suporta sozinho as despesas de campanha, os seus comícios, a sua propaganda. O cofre público financia grande parte da farra eleitoral, através da verba partidária e do horário gratuito de rádio e de TV.

Mas, pior ainda, as grandes campanhas se financiavam também com as grandes empresas que contratam com os governos, as chamadas empreiteiras, que absurdamente a lei até recentemente permitia fizessem doações oficiais a partidos políticos, dinheiros que elas recuperavam em obras superfaturadas, compensações negociais ilícitas futuras que lhes garantiam tacitamente os candidatos.

Acontece que as verbas oficialmente doadas precisam ter aplicação contabilizada, para prestação de contas perante os tribunais eleitorais. Com elas, para os políticos, fica muito difícil enriquecer, para entrar na política pobre e sair dela milionário, como soe acontecer.

Então, surge aí a figura das contribuições de “caixa dois”, com numerário extraoficialmente distribuído por empresas aos “homens da pasta preta” dos partidos, em agências de publicidade, em escritórios de advogados, em contas bancárias secretas estrangeiras, nos chamados “paraísos fiscais”.

Contribuição oficial a campanha eleitoral por empreiteira de governos era uma aberração legal até aqui, e o caixa dois era e continuará sendo ilícito. Mas essa prática, de fato generalizada, era tacitamente aceita por uma ética parcial vigente no meio político, dentro de um pacto silencioso entre os que militam nessa área, um segredo de polichinelo, de que não se falava abertamente, mas que todos sempre souberam que existia – e mais – para eles era essencial que ela existisse.

“A política é assim mesmo” – teria dito recentemente o Presidente Michel Temer, justificando o assédio de seu ministro raposa velha, a um jovem outro, ainda indefesa galinhola. O mesmo argumento conformista valia para defender quem recebia recursos de empreiteiras através do caixa dois – o que não exclui quase ninguém – além daqueles políticos magnatas que se autofinanciam nas suas campanhas e se auto-ajudam nas manetas do poder, protegendo suas empresas e seu patrimônio.

Agora a “delação do fim no mundo”, feita pelos executivos da Odebrecht, coloca a nu o polichinelo mentiroso. O que todos sabiam, ou desconfiavam, agora estão todos vendo escancarado, para espanto das massas ingênuas que idealizam a política e viam políticos farsantes como líderes sociais. E com um Supremo Tribunal “acovardado”, nas palavras proféticas de Lula da Silva, o nosso País segue à deriva. Que Deus de apiade de nossas almas!

Ilustrações: Pinturas de Pablo Picasso.


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