quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

ARTIGOS - O Declínio dos Estados Nacionais (RMR)

 O DECLÍNIO DOS
ESTADOS NACIONAIS
Rui Martinho Rodrigues*

 

 

Organizações e tratados ou convenções internacionais exercem uma crescente influência na regulamentação das sociedades, tutelando os estados nacionais. A ONU, com os seus institutos como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e a Unesco (Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é exemplo do controle aludido. Até os uniformes das polícias, em diversos países, começam a seguir um modelo sugerido pela ONU. São “apenas” sugestões? Pode ser. Mas exercem uma pressão política e reforçam certas tendências na competição interna entre líderes, partidos e correntes políticas.

Pascal Bernardin, na obra “Maquiavel pedagogo ou mistério da revolução psicológica”, mostra com farta documentação, a orientação dada pela ONU, UNESCO, Parlamento Europeu e Ministério da Educação da França no sentido de retirar o foco do ensino, nas escolas, dos aspectos concernentes ao desenvolvimento cognitivo para os fatores emocionais, mediante procedimentos e técnicas que nada mais são do que manipulação psicológica.

Assim, valores tradicionais, identidades nacionais e raciocínio crítico são substituídos por um cosmopolitismo internacionalista, uma axiologia relativista e uma aceitação emocional de apelos aos sentimentos mais nobres como forma de substituição das limitações da convivência social, conforme a velha e enganosa promessa de emancipação. O objetivo seria afastar o “O mal-estar na civilização”, de que falava Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939) e superar conflitos e desigualdades, não pela via do “esclarecimento” prometido pelo Iluminismo, mas pela revolução psicológica. Os novos déspotas esclarecidos desiludiram-se da “conscientização” pelo desenvolvimento cognitivo. A manipulação em massa, forçando uma mudança cultural, promovendo a plasticidade das consciências na sociedade descrita por Zygmunt Bauman (1925 – 2017) como “sociedade líquida”, a despeito toda a instabilidade, imprevisibilidade e anomia que possa resultar daí. 

Os tratados e convenções também representam, até mais claramente, uma forma de tutela. O TPI (Tribunal Penal Internacional) e, no âmbito da América Latina, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos – ou Pacto de São José da Costa Rica – são exemplos de regulamentação a que os estados nacionais estão ficando subordinados. Pode-se objetar que a adesão a tais acordos é um ato soberano de cada Estado. É significativo, todavia, que os EUA e o Canadá – somente estes dois países das Américas – não são signatários da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o que sugere um sentido de tutela sobre os subdesenvolvidos. Os mais desenvolvidos dizem não à ingerência nos seus assuntos internos. 

O TPI prendeu, julgou, condenou e prendeu líderes e comandantes responsáveis por crimes de guerra ou contra a humanidade. Todos, porém, originários de países econômica e militarmente fracos. A violência contra tibetanos e iugures, por parte da China; contra curdos na Turquia; ou o bombardeio de populações civis na Chechênia, por parte da Rússia, são ignorados pelo TPI, assim como o patrocínio de terrorismo pelo Irã e o Paquistão ou os bombardeios americanos no Iraque e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Sérvia e na Líbia. A tutela “do bem” é seletiva. O Poder militar (ai dos fracos! Si vis pacem, parabellum) e a importância econômica são suas balizas. A semelhança com o neocolonialismo não é coincidência. 

O pretexto já não é “o fardo do homem branco” (obra de Joseph Ruyard Kipling, 1865 – 1936), apresentado como a missão histórica de civilizar os povos selvagens. A “nobre missão civilizadora” foi exercida com enorme violência contra povos mais civilizados que os europeus da mesma época, como incas e chineses, sempre satisfazendo interesses econômicos e geopolíticos dos “civilizadores”. Agora o pretexto é a defesa dos direitos humanos e a salvação do planeta! 

Historicamente as grandes torpezas foram feitas em nome dos mais altos valores morais. Coincidindo sempre com interesses eleitorais, econômicos e geopolíticos. O “coincidentismo” é mais improvável do que o “conspiracionismo”. Os invasores portugueses derrotaram os índios aliando-se a alguns deles contra outros. A “tutela do bem” (neocolonialismo) mais uma vez encontra apoio nas divisões internas das nações vulneráveis. 

A história se repetindo. Os motivos nobres são em parte verdadeiros. Os sofismas mais perigosos são aqueles que manipulam verdades. Crimes de guerra, violência contra grupos étnicos e destruição da natureza não precisam ser inventados, mas podem ocultar propósitos inconfessáveis. Exercem fascínio sobre aqueles que tanto exploram o nacionalismo como defendem a tutela internacional, conforme sirva aos seus objetivos políticos. Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) dizia: não é importante ter virtude, mas aparentar virtude. 

O fortalecimento de poderes supranacionais, que além dos organismos e convenções citados incluem empresas poderosas, principalmente da área das novas tecnologias, ameaçam claramente a soberania dos estados nacionais e a democracia. Usam pretextos para legitimar controles. Um governo mundial tornou-se uma possibilidade real. Depende apenas da formação de um condomínio de três ou quatro centros de poder, partindo de um entendimento semelhante ao dos acordos de Westfalia de 1648, do Congresso de Viena de 1815 ou Postdam de 1945, nos quais os fortes repartiram entre si, parcial ou totalmente, o mundo. Acordos desta natureza necessariamente são impostos de modo ditatorial. 

Criminalidade, terrorismo, guerras, defesa do planeta e vitimização de grupos identitários formam um conjunto de grande apelo em prol de mais controles, com o sacrifício das liberdades individuais e da soberania dos estados nacionais. A discussão sobre o perigo das armas nucleares poderá estimular um grande acordo entre os fortes, embora, a exemplo dos acordos citados, depois de algum tempo possa sobrevir uma grande guerra, um governo mundial tirânico, formado por um condomínio de potências neocoloniais tem se tornado uma ameaça verossímil.

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