quarta-feira, 10 de junho de 2020

CRÔNICA - Saudades do Altemar (AG)

Saudades
do Altemar
Aluísio Gurgel*


Era um fim de tarde, de um fim de ano do fim da década de setenta do século passado. O local? A Five Stars, marca do grupo Armazéns do Sul, no qual eu trabalhava como chefe do setor de decorações.

Minha equipe estava lá preparando as colunas decorativas das lojas para o mês de janeiro, quando abriríamos a campanha “saldos de balanços”. Na quadra, um palco estava montado – haveria show logo mais.

Em dado momento, ele chegou, postou seu estojo no palco e veio nos cumprimentar. Vestia uma camisa com as mangas dobradas até os cotovelos, por fora de uma calça jeans e um sapato social.

Perguntou pela campanha, tomou uma dose da nossa cachaça e disse que precisava passar o som. No palco ali montado, abriu o estojo e dele tirou uma Gibson ES 335 Sunburst, a guitarra dos meus sonhos.

Pensei de mim para mim: um foguete destes nas mãos de um seresteiro... Quanto desperdício. Calmamente, ele se deixou envolver pela correia, abraçou o instrumento e corrigiu a afinação “de ouvido”.

Em seguida dedilhou “Round Midnight” de Thelonius Monk com a alma mais aberta que já vi em um jazzman. Emocionei-me. Foi o meu presente de fim de ano. Deus não poderia ser mais dadivoso – este era Altemar Dutra!


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