sábado, 29 de abril de 2017

CRÔNICA - A Igreja do Demônio (RV)


A IGREJA DO DEMÔNIO
Reginaldo Vasconcelos*



O que se verificou no Brasil no dia de ontem, 28 de abril, foi a mais abjeta manifestação de cretinice, patrocinada pelos insatisfeitos com as reformas em curso no Congresso, que vão acabar com a contribuição sindical, obrigatória para o trabalhador, passando a ser opcional, o que com certeza vai reduzir drasticamente a receita das esquerdas sindicais.

A virtude dessa medida não está na economia que ela vá ocasionar aos empregados, os quais têm o valor correspondente a um dia de salário por ano legalmente confiscado para o respectivo sindicato. Não. A despeito de ser obrigatória, o que não é republicano nem democrático, essa contribuição, de fato, não “mata” ninguém, como diz o populacho.  

A grande justiça dessa alteração normativa entrevista na reforma trabalhista está no fato de que essas verbas, que, pelo efeito da escala, representam milhões, terminam sendo manipuladas por ativistas políticos, que não as destinam ao benefício dos seus provedores compulsórios, mas as empregam nos chamados “movimentos sociais”, que na verdade são focos de diversionismo ideológico, não raro ilegais e violentos.

Restou enfim evidenciado que as esquerdas em geral, e que o movimento sindical que com elas é imbrincado, nada têm a ver com democracia, embora conste de suas bandeiras e de seus métodos o uso desse “santo nome em vão”. Sob o manto licencioso de estarem decretando uma “greve”, uma excrescência jurídica legalmente tolerada, na verdade promoveram piquetes e quebra-quebras pelas ruas do País.

Ora, greves e lockouts (este último proibido no Brasil), não passam de um tipo de chantagem, quando, no primeiro caso, os empregados paralisam o trabalho para impor sua vontade ao empregador, levando prejuízo à organização que os contrata e alimenta, e, no segundo caso, a empresa fecha as portas e suspende salários para punir os empregados.

Entretanto, no caso, nem houve greve, pois as paralisações foram impostas por desocupados que tomaram as ruas para praticar vandalismo, interromper vias, atrapalhar a circulação de transportes coletivos, ameaçando e intimidando os trabalhadores em geral, patrões e empregados. Uma ação diabólica. Uma vergonha para a pretensa república brasileira com o seu canhestro entendimento de democracia e ordem pública.

A propósito, Machado de Assis tem um pequeno conto denominado “A Igreja do Demônio”, em que o grande escritor imagina que satã tem a ideia de criar a sua própria igreja, e vai comunicar a Deus sua decisão de se tornar seu concorrente no pastoreio das almas.

Pontua o capiroto que os fiéis da igreja de Deus, mesmo vestidos com o veludo da virtude, como nos trajes das mais ricas rainhas, entretanto trazem a fraqueza moral nas suas franjas de algodão, por onde pretende seduzi-los.  

Deus o escuta, desdenha, e como certamente o Senhor é “politicamente correto”, não manda escorraçar imediatamente belzebu de sua presença, mas faz com que os serafins encham “o Céu com a harmonia do seu canto”, para incomodar o impertinente, que enfim ficou sem o chão nefelibático e voltou à Terra como um raio.

O que se vê na prática é que também nesse caso a vida imita a arte, e vice-versa, porque a ficção se realiza de fato, pois evidentemente o “negócio” do demônio prosperou.

Machado descreve de como lúcifer, sem negar quem era,  convenceu pessoas honestas de que a virtude está no mal. Usando dos mais inteligentes sofismas, dos mais francos paralogismos, explorando o egoísmo humano para lhes justificar a perfídia e a vilania, e dando a esses vícios os melhores ares de grandeza, fez-se acreditar, afinal, por um grande número de sequazes.

Mas, ao final da sua história, conta Machado que o capeta queixou-se depois a Deus que os seus perversos prosélitos assumiram a maldade como predicado, e que portanto se vestiam com a mais reles estopa de algodão moral, mas que alguns deles mantinham agora franjas da seda virtuosa nos seus trajes, fazendo bondades aqui e ali, a que o Supremo Arquiteto do Universo respondeu-lhe:

Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana”.

E foi por essas nobres e insuspeitadas franjas de seda, que indefectivelmente se insinuam sobre os panos da improbidade, que a estrige Dilma Rousseff sancionou a lei da delação premiada, que viria a fazer implodir a sua paróquia,  porque o mal por si só se destrói; foi por essas mesmas franjas bonançosas que o tinhoso Eduardo Cunha deu seguimento ao pedido de impeachment contra ela, beneficiando assim as forças divinas que protegem os brasileiros.

Por fim, foi também por essas mesmas franjas benignas que rebrilham sob o pálio da maldade que o mefistofélico Michel Temer tomou a peito a tarefa benfazeja de promover as reformas profundas e necessárias que salvarão o nosso País – mesmo com sangue, suor e lágrimas.

Resta o demoníaco Renan Calheiros, com sua capa de trapos que tem franjas andrajosas, o qual, juntamente com o seu pior acólito, Roberto Requião, tenta ameaçar as legiões angélicas e as pretorias do bem que muito justamente o perseguem, encaminhando um projeto de lei contra a mais legítima autoridade. Mas Deus é grande. Deus é maior.





COMENTÁRIO:

Essa crônica sobre os distúrbios de ontem é uma página literária. O autor recorre ao nosso melhor escriba, Machado de Assis, para fazer uma análise das mais felizes.

A linguagem alegórica é a mais rica forma de comunicação. Cristo falava por parábolas. O simbolismo de que se serviu o cronista é dos mais expressivos. As contradições da política, a torpeza do jogo de poder da vida pública e os rumos surpreendentes da História, tudo foi posto no pequeno espaço.

Herois-macunaímicos e macunaímas involuntariamente heróis, que acabam por contribuir para o interesse social, tudo foi apresentado com clareza meridiana, sem as tecnicalidades que podem afastar considerável parcela do público.

Rui Martinho Rodrigues

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