quarta-feira, 20 de julho de 2016

NOVELA - Cães e Helicópteros (RV)

CÃES E HELICÓPTEROS
(NOVELA PSICOLOGISTA DE BASE REAL)
Reginaldo Vasconcelos


Capítulo I

Em Lucas o sol mergulha entre montanhas pelas cinco da tarde, banhando o casario em leve sombra, esbatida pelo espelho convexo do céu, de um azul turvado em cinza, invadido por reflexos de topázio.

Lisberte tinha pressa naquela tarde, pois marcara com os amigos no Clube Luquence, para combinar passeio longo que fariam no domingo. Pressa não era comum àquele seu jeito fleumático de menina rica, bem conformada de beleza e contida de hábitos, a quem tudo vinha à mão a cada pensamento, ao menor desejo; principalmente estando em férias na província, a meiga cidade nordestina onde brotara a família, que vive agora sob as frondes das empresas de seu pai.

Era mesmo muito calma no agir e no falar, de tal sorte que já virara gozação na roda íntima, entre os colegas da faculdade, o seu hábito de ser impontual, atribuído quase sempre à vaidade com os cabelos ruivos, os olhos de mel, a pele alvíssima, que a deteria ante o espelho.

Naquela sexta-feira Lisberte queria antecipar-se à hora marcada, pois na noite anterior conhecera figurinha interessante, um rapaz convidado de seus primos, que ela não queria deixar exposto aos encantos de Fernanda, a mais volumosa e atirada das amigas, que também estava em férias na cidade. Dormira toda a tarde e agora dirigia o automóvel pela Rua Grande, saindo do calçamento da cidade em direção ao campo de pouso, para atingir o clube, que lhe fica um pouco além. Ao passar pelo bueiro do riacho, sentiu o cheiro úmido do córrego, do pasto ribeirinho, ligeiramente almiscarado pelo limo e pelo humo marginais.

De súbito, defronte ao prédio abandonado das oficinas velhas, um carro escuro surgiu na estrada, interceptando os seu esportivo, fazendo-a despistar pelo acostamento e pelo matagal. O seu primeiro sentimento foi de altiva indignação, que logo se desfez, ao divisar ela três rostos que avultaram do outro veículo, visivelmente envoltos num jogo de morte. Aflorou de seu inconsciente a imagem de corsários, trazida dos filmes, dos livros de aventuras, em que a chusma invade uma caravela no meio do oceano, saltando-lhe pelos mastros e cordames.

(Continua na próxima sexta-feira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário