sábado, 8 de março de 2014

ARTIGO (RV)

AS FALHAS DE FRANCISCO
Reginaldo Vasconcelos*

Do alto da proverbial infalibilidade papal, Francisco comete um erro ingênuo, ao tentar, a  todo custo, desmistificar sua condição simbólica, para humanizar o pontificado.

Abandonar a liturgia do cargo não ajuda a função de liderança que os ídolos precisam exercer sobre os súditos, os prosélitos, os comandados em geral – mas até pelo contrário. As pessoas precisam cultuar mitos para reverenciar os ícones, respeitar sua imagem, copiar os seus exemplos.

Ninguém é herói para o seu criado de quarto”, segundo um velho provérbio português. Essa é uma sábia assertiva lusitana, a evidenciar os efeitos nocivos que a intimidade pode produzir sobre o conceito das pessoas, quando essas despem as naturais e necessárias máscaras rituais que os circunstantes lhes impõem.

Não estou defendendo que a impostura e a jactância sejam virtudes sociais – longe de mim tal absurdo. Estou dizendo que os líderes políticos, os sacerdotes, os magistrados, os professores, os chefes, os comandantes, os artistas, precisam zelar pelo personagem mítico que lhes distingue do ordinário.

A existência de homens públicos é uma necessidade premente da coletividade, como ocorre na natureza com os alfas das manadas. Portanto, não é mero privilégio pessoal o generalato, ou a liderança, ou a celebridade. É uma missão, porque as pessoas do povo precisam cultuar ícones que admirem, idolatrem e respeitem.

Fãs queixam-se dos ídolos que se comportem com arrogância e indiferença, enquanto gestos de simplicidade para com o povo sempre aprofundam a sua adoração. O Papa João Paulo II, por exemplo, era hábil em atitudes simpáticas, que encantavam os fies católicos – contudo, sem expor a sua vida íntima e sem devassar a privacidade.

Francisco, na semana passada, resolveu revelar que um dia subtraiu um objeto, cometendo assim um “sincericídio” moral absolutamente descabido(*). O que pensarão os delinquentes do mundo ao ouvirem do próprio Papa que ele também já andou furtando? Que resultado positivo esse mau exemplo poderá vir a provocar?

Pior ainda quando tal fato, juridicamente falando, não foi crime, nem pecado, segundo presumo. Do ponto de vista penal, ao contrário do que ele mesmo pensa, ao se apropriar daquele crucifixo Jorge Bergoglio não incorreu em nenhum ilícito. Primeiro, porque o proprietário do objeto estava morto, e certamente não incluíra aquilo em codicilo especial.

E, ainda que o tivesse feito, ao deixar o crucifixo no caixão mortuário, o hipotético legatário o reduziu a res derelicta – coisa abandonada – que qualquer um pode colher para lhe devolver valor e lhe conferir utilidade. Ademais, os “delitos de bagatela” não despertam interesse penal, além da conduta ter sido tecnicamente privilegiada pelo seu relevante valor moral – preservar a memória do morto estimado, portando para sempre o seu objeto votivo – hoje honrosamente ostentado no peito do atual Sumo Pontífice.


(*) O Papa Francisco revelou há alguns dias, falando a outros sacerdotes, que tempos atrás, durante o velório de seu padre confessor, teria "furtado" o crucifixo de metal que este usava em vida e que levava no caixão mortuário, declaração que repercutiu no mundo todo

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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