quinta-feira, 6 de março de 2014

ARTIGO

O SILÊNCIO DOS FILÓSOFOS
Por Paulo Maria de Aragão*

Em qualquer dimensão, bem maior haverá para o homem do que o trabalho? Guardadas as proporções, é tão fundamental quanto a preservação da vida.

Assim, dada a importância de seu próprio sustento e do de sua família, o trabalhador se faz maniatado pela exploração daquele que lhe paga, abrindo mão de direitos indisponíveis. Não se fala aqui de direitos que ele desconhece. Mesmo conhecendo-os, não se atreve a arrostar o patrão, temendo perder o emprego, consequentemente o sustento de seu lar. Trata-se de uma relação análoga à existente entre Davi e Golias, muitas vezes, sem o mesmo final feliz para a parte mais frágil, a economicamente hipossuficiente.

 Ihering
Resulta daí, salvante raras exceções, que, aviltado em seus direitos, aceita a violação do princípio da autonomia da vontade, deixando-se pisotear. Um dos maiores patrimônios do homem no nível da existência física é o emprego. Segundo Ihering, o incapaz de defender seus próprios direitos é indigno de proteção, porém a dialética não é generalizável, porque há situações desesperantes a que, como última tentativa de contornar situação gravíssima, até os mais duros de coração se rendem.

Respeitante ao assunto, segundo Irvin David Yalom, no seu “A Cura
Schopenhauer
de
Schopenhauer”, foi este o grande filósofo a construir o seu pensamento com base no ateísmo. Tempos antes, Hobbes, Hume e Kant demonstravam tendências agnósticas
conforme o autor mas não as manifestavam em face de seus comprometimentos profissionais nas universidades e nas empresas públicas. Temiam a perda do emprego. A seu turno, Schopenhauer rejeitava qualquer sujeição. Não dependia de emprego conservava sempre a liberdade de expressar o que quisesse. Um século e meio antes, Spinoza, com a mesma liberdade de pensamento, rejeitava altos cargos em universidades, decidindo-se por sobreviver do ofício de polidor de lentes até os seus últimos dias de vida (1677).

Ora, se até certos filósofos silenciavam suas convicções para não prejudicar os status cultural e financeiro, o que dizer de um modesto trabalhador, reificado crônico, que promove a sua subsistência em função de um parco rendimento, obtido mediante um labor sacrificante, diferente dos que mercadejam consciências, que prestam vassalagem ao “Príncipe”, em troca de “fidelidade” e proteção? Uma aceitação irônica da vida...

Como preocupação primeira, o homem busca, em tudo que realiza, uma forma que dê segurança a si próprio e aos que dele dependem, e o trabalho é a maneira mais digna de lograr a segurança e de se afirmar socialmente. Sem ele, o vírus do desemprego assusta, desigualdades econômicas e sociais crescem, intensificando as exclusões e a classe dos miseráveis, com reflexo direto na violência urbana.

Esse lamento foi sentido por Gonzaguinha, por meio da música “Guerreiro Menino”, ao manifestar a emoção de um homem que só se sente digno se empregado: “Um homem se humilha/Se castram seu sonho/Seu sonho é sua vida/ E a vida é trabalho/ E sem o seu trabalho/Um homem não tem honra/E sem a sua honra/Se morre, se mata”.

Mas, de qualquer modo, independendo do plano ideológico, resulta a condição de que o trabalho é o catalisador da dignidade humana, não sendo permitido, do prisma jurídico, jugular a vontade do cidadão, merecedora de respeito por se tratar de um dos postulados democráticos.

* Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira de Nº 37 da ACLJ

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