segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

PREFÁCIO - Língua-Mãe do Código Lusitano (VM)

LÍNGUA-MÃE
DO CÓDIGO LUSITANO
[Prefácio de S.P.Q.R. – Latim Jurídico, de A. C. Campolina – Belo Horizonte-MG]
Vianney Mesquita* 





 
 

Somente o influxo da arte comunica durabilidade à escrita; só ele marmoriza o papel e transforma a pena em escopro. [RUI BARBOSA de Oliveira]. 

 

Constitui registo lamentável, fator impeditivo do estudo etimológico do Português – uma das mais destacadas codificações neolatinas e precursora da Língua de Hélio Melo e Carlos Drummond de Andrade – o fato de haver sido a disciplina Latim retirada do currículo médio brasileiro, carreando prejuízo formidando para o exame mais acurado do Regramento luso-linguístico, no que concerne à formação vocabular, ao conhecimento da Gramática Histórica, alcance do desenvolvimento humano, não só atinente às diligências linguísticas, mas também compreendendo, pela expressão da História, todo o trajeto da espécie humana pela Mãe-Terra (Arnold Toynbee). 

Na sua aurora, o Código Latino, procedente de vários patois praticados no Lácio e que se ajuntaram para constituir uma codificação maior, perfazia somente um dialeto itálico, praticado na Roma e em toda a mencionada Região latina, bem como no vale do rio Tibre. 

Num magnífico crescendo, já feito língua, o Latim granjeou enorme expansão, apropriando e modificando falares parecidos e assimilando codificações estranhas da Península Itálica, vindo a instituir um dos brotos da família indo-europeia, sendo, contudo, ao juízo dos estudiosos, menos flexível do que a língua grega, com sufixos pesados e sem riqueza vocabular. Para indenizar tais imperfeições, entretanto, essa conjunção expressional é robusta, clara e concreta, adaptando-se à enunciação das leis, sentenças morais e inscrições. 

O de caráter puro foi falado apenas na Roma Antiga, assim mesmo pela população do Lazio, particularmente de Roma, tendo se tornado, no entanto, a língua oficial de todas as nações submetidas e a única literária, salvante o Grego. 

No derradeiro estádio, de linguagem morta, o Latim foi sempre a codificação oficial da Igreja Católica, Apostólica Romana, não apenas no âmbito do Estado da Cidade do Vaticano, mas, também, em todo o orbe terrenal, acrescendo-se o fato de que as produções científicas, filosóficas e teológicas remansaram quase exclusivamente redigidas nessa craveira idiomática, até os Oitocentos e muitas até os Novecentos. 

Como curiosidade histórico-linguística, fartamente inventariada, na sua maioria, em obras de domínio público  havendo registos de controvérsias, entanto já aquietadas – o texto latino mais antigo descansa numa legenda, datada em 500 anos a.t.p. (antes do tempo presente), insculpida na célebre Fíbula de Ouro de Preneste, a Palestrina atual, cidade do Lazio, Província de Roma, hoje com 16.469 habitantes. 

Peça depositada no Museu Etnográfico Pré-Histórico Luigi Pigorini, de Roma, a Fíbula foi mostrada em 1887, pelo arqueólogo Wolfgang Helbig. Advieram dúvidas, através dos tempos, acerca da veracidade da informação da Fibule Praenestina, todavia, conforme adiantei há instantes, o assunto restou pacificado em 2011, mediante estudo de Edilberto Formigli e Danielle Ferro (e equipe), dando conta, em definitivo, da verdade expressa pelo mencionado arqueólogo alemão (1839-1915). 

As fíbulas são broches que unem duas partes de um vestuário, tendo sido numa delas que o artesão escreveu, em palavras grafadas da direita para a esquerda, Manius me Fecit Numerio = Manos (o artesão) me fez para Numerio (o cliente). 

A Língua latina possui subdivisões, como nos exemplos sequentes. 

– Latim clássico, ao compreender a produção de escritores no tempo dessa erudição, de mais ou menos 75 a.t.p. a 200 do t.p. , hoje ainda usado nas gramáticas e dicionários. 

– Latim popular ou vulgar, base dos sistemas glotológicos neolatinos modernos, de sintaxe mais simples, falado pelas classes populares. 

– Baixo Latim ou Latim bárbaro – experimentado em fala e escrita depois da queda do Império Romano e no curso da Idade Média, com termos latinos e vocábulos estranhos, gramaticalmente indisciplinado. 

Com efeito, uma vez procedidas a estas aligeiradas informações históricas – consoante reclamado quando feri esses comentários – em decorrência de uma reforma adulterina procedida na educação nacional, cujo mentor de bestunto tão estreito escuso-me de referir, foi o ensino da Língua e Literatura Latina proscrito dos curricula do antigo Curso Ginasial, fato representativo de incalculável prejuízo ao culto, cultivo e aprimoramento da última flor romana, de Olavo Bilac. 

Língua-mãe, também, de vários outros ordenamentos glossológicos – línguas, idioletos e patois – deriva do Latim a maior parte das formações vocabulares do Português e das mencionadas ordens linguísticas, motivo por que o estudo, entendimento e diacronia do Idioma patrial tem como fontes inexauríveis as sistematizações românicas, ora oficialmente inacessíveis à massa, porquanto banida das escolas como matéria basilar. 

Há, contudo, no Brasil, alguns dos seus discípulos que não acataram a espúria determinação e embatem-se diuturnamente pelo retorno do Latim às grades curriculares dos estabelecimentos, no entanto, até agora, sem ressonância nas oitivas moucas das autoridades de instrução do País. 

Um desses poucos – o que conheço e de cuja amizade me ufano de privar – é o Prof. Antônio Carlos Campolina, filho do mestre ubaense José Dias Campolina, coluna de retidão e de sabedoria e que tem no rebento, cuja pátria também é Ubá-MG, o continuador de sua obra de lente do Latim, em São Paulo, em Minas Gerais e em alguns estados do Nordeste. 

Qual o último abencerrage de François-René Auguste de Chateaubriand, Campolina, desde alguns anos, se larga da sua BH por Minas Gerais inteira, Ceará e Piauí e, ultimamente, pelo Estado do Paraná – procurando, com os raros cursos que monta, sensibilizar, mediante contatos pessoais após longuíssimos chás de cadeira, sem “um café” nem “uma água” e via imprensa, as “autoridades” a reintroduzirem a matéria nas escolas, num mourisco trabalho apostolar em favor de matéria que jamais morreu. 

Somente ele sabe as necessidades pelas quais transita, as evasivas e grosserias que ouve, os parcos dinheirinhos que às vezes nem recebe, o sofrimento, enfim, em favor de uma disciplina absolutamente necessária como propedêutica das matérias de Língua, Literatura e Cultura brasileira e portuguesa. 

Pelo que de útil e agradável denota, a obra do professor Antônio Carlos Campolina – S.P.Q.R. Latim Jurídico – um livro recomendado pela OAB-MG – chega ao leitor noutra e renovada edição, comprovando o alcance admirável que o volume representa para as pessoas ávidas pelo estudo do Latim em todo o Brasil. 

O livro S.P.Q.R. – Latim Jurídico representa a exteriorização de peleja do Professor Antônio Carlos Campolina nessa queda de braço desigual, batalha ainda não vencida; mas, na certeza de um dia atravessar o Rubicão, ele já teve a ensancha de exprimir, como o fez Júlio César: – Alea jacta est! E depois a Farnaces II, rei do Ponto, perto de Zela, no ano 47: – Veni, vidi, vici! 

Já veio, viu e haverá de vencer – é o que todos os seus amigos, ex-alunos e admiradores esperamos. 

Faz anos que a sorte está lançada, entretanto, os dados dessa ludicidade de bozó e caipira tão custosos ainda não caíram...

O tempora, o mores! 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário